Olá, caro(a) aluno(a), vamos conversar, de maneira aprofundada, sobre a importância da formação de leitores? Afinal, o contato com a literatura é fundamental para efetivar a cidadania, para o desenvolvimento psicológico e social de bebês, crianças e adolescentes. Por isso, trataremos da importância da literatura infantil e juvenil no ambiente escolar.
Abordaremos, primeiramente, quais seriam os melhores critérios para selecionar bons livros de literatura. Também, falaremos sobre as exigências dos documentos oficiais em relação à educação literária.
Outro ponto fundamental que abordaremos será a importância de ancorar sequências didáticas de literatura, com metodologias de ensino e de formação de leitores. Nesse sentido, apresentaremos duas metodologias: a recepcional, que leva em conta o horizonte de expectativa dos leitores, e a do letramento literário, que concebe a leitura literária como um ato de cidadania.
Você está pronto, caro(a) aluno(a), para debater aspectos educacionais e pedagógicos a respeito da literatura infantil e juvenil no ambiente escolar? Refletir sobre essas questões tem total sintonia com a formação de sujeitos críticos, que conseguem exercer a cidadania em tudo que fazem ou que farão ao longo da vida.
Uma das preocupações de qualquer professor, educador, bibliotecário ou, até mesmo, de alguém que é responsável por crianças, é saber como julgar e classificar a qualidade de obras para esse público. Durante muito tempo, a forma e os critérios para seleção de livros eram definidos de forma arbitrária, sem levar em conta as qualidades estéticas. Era arbitrária porque imperava um viés pedagógico e moralizante: era literatura para crianças somente se fosse capaz de ensinar alguma coisa e se conduzisse para uma moral. Entretanto essa não é uma boa medida para selecionar livros, pois aprisiona os sentidos de uma leitura. Dessa forma, há outros critérios que devem ser soberanos. O principal é o estético, ou seja, o livro deve possibilitar uma experiência literária, deve propiciar o incentivo à imaginação, à construção de uma identificação e à possibilidade de fruição. Portanto, caro(a) aluno(a), vamos estudar os melhores critérios para selecionar obras para crianças e adolescentes. Vamos lá?
Quando selecionamos livros para serem lidos para crianças e adolescentes, é preciso levar em conta cinco pilares, descritos a seguir.
Os critérios anteriores deveriam nortear qualquer biblioteca e o trabalho de todos os mediadores de leitura. Ao falar sobre mediadores de leitura, não estamos falando apenas de professores e educadores, mas sim de qualquer pessoa que possa influenciar e motivar crianças e adolescentes à leitura.
Os livros oferecidos devem formar e incentivar o hábito de leitura. Há autores que definem essa perspectiva como o desenvolvimento do gosto pela leitura. A professora Alice Áurea Penteado Martha problematiza o termo da seguinte forma:
O gosto, entendido como prazer estético, e não algo que possa ser transmitido por contágio, como uma virose, é prazer que pode ser conquistado, de fato, a partir do momento que os leitores compreendem o que leem como prática experimentada, ato que envolve participação e aproximação. Gosto é particularidade de cada indivíduo e, no caso da leitura, não pode ser transmitido, só pode ser estimulado pelo ato de ler, responsável pela formação e enriquecimento do repertório dos leitores, uma espécie de biblioteca interior de cada um (MARTHA, 2012, p. 32).
Nessa perspectiva, é inadequado falar que é possível ensinar o gosto pela literatura. É, sim, algo que pode ser incentivado, motivado. Essa é uma missão fundamental de todos os educadores e de todas as pessoas comprometidas com a educação – a formação de leitores. Ainda sobre isso, Martha (2012, p. 32) acrescenta:
Conforme as teorias que valorizam a recepção, texto e leitor interagem a partir de convenções compartilhadas, ou seja, da dinamização de seus repertórios e de estratégias utilizadas tanto na construção artística do texto como nos atos de compreensão do leitor – a realização estética –, ampliando-se, a cada texto lido, a possibilidade de consolidação do prazer estético. O prazer do leitor – o gosto – decorre do contato com o objeto no momento da leitura, uma vez que, frente ao texto, exerce sua atividade criativa, instigada pela recepção da vivência alheia. Desse modo, se pretendemos ampliar as possibilidades para que mais leitores alcancem o prazer estético, devemos atentar para o modo como crianças e jovens leem na escola.
Ou seja, além de escolher boas obras, é necessário criar momentos em que crianças e adolescentes estarão em contato com experiências de leitura. Momentos como contação de histórias, discussão de leituras, partilha de leituras devem ser buscados e encontrados. Dessa forma, é o contato com obras literárias, com diferentes textos que fará com que a criança e o adolescente possam se encantar e fazer da leitura um hábito. Sem a imersão por meio de textos literários, não é possível formar leitores. É preciso ter contato com livros, com obras ficcionais. Em relação a esse aspecto, é importante refletir, novamente, sobre as formas de seleção de obras. Nesse sentido, é importante apontar que:
Não podemos nos impressionar com capas estonteantes e figuras que saltam das páginas, pois no mundo consumista em que estamos, qualquer tipo de livro tem sido produzido e vendido. Há certos cuidados que devemos ter, e para isso o professor deve saber o que de fato define a literatura infantil dos demais livros. Há vários critérios que podemos levar em consideração e destacaremos alguns: o primeiro é saber que a literatura não precisa se atualizar para cumprir sua função, além disso, o texto literário faz uso da arte, é bem escrito possuindo uma boa narrativa, com a articulação entre enredo e personagem, fugindo de uma sequência linear da obra, da qual o leitor precisa fazer pouco para que ela seja compreendida; o segundo é que toda obra literária possui uma mensagem que deve estar implícita e, quanto mais implícita, mais literário é o texto; o terceiro aspecto é diferenciar a literatura infantil de livros paradidáticos. Estes, por sua vez, precisam sempre de atualizações, não contêm mensagem implícita e abordam um determinado conteúdo das diversas áreas do conhecimento como ciências, meio ambiente, matemática, etc., precisando sempre de atualizações, além de não causarem emoção. Um outro aspecto que podemos discutir é a qualidade de textos infantis brasileiros. Alguns escritores têm dado contribuições importantes a essa área: Monteiro Lobato, Ana Maria Machado, Lygia Bojunga, dentre tantos outros que se consolidaram como escritores de literatura infantil, principalmente nas últimas décadas. Nos dias atuais Ricardo Azevedo, Tatiana Belinky, Eva Furnari, dentre outros (SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012, p. 6).
As autoras destacam que é preciso ir além do projeto gráfico no momento de selecionar livros, pois, atualmente, há muitas obras que podem possuir capas coloridas e atraentes, mas que podem ter histórias pobres de qualidade estética. Não podemos nos impressionar com recursos gráficos. Precisamos analisar e perceber se a ilustração e o projeto gráfico são coerentes com a história contada, se ampliam a leitura do texto escrito, se permitem uma leitura estética. Além disso, na perspectiva das autoras, os critérios para escolhas de livros literários são:
Enfim, são muitas as variáveis para selecionar obras literárias. Talvez, a principal questão para os professores seja o equilíbrio entre selecionar obras literárias sem cair na armadilha de selecionar obras que tenham apenas preocupações didáticas. Em relação a isso, Cosson (2013, p. 20) aponta que
O professor de literatura das séries iniciais do Ensino Fundamental e da educação infantil enfrenta o dilema de conciliar o literário com o pedagógico, sem deixar de observar questões de ordens tão distintas quanto o material de confecção da obra; o formato favorável ao seu manuseio; a fonte empregada na impressão; a inteligibilidade sintática e lexical do texto; a elaboração imagética das ilustrações em termos de cores e formas, e outros tantos elementos em um mar de publicações.
Dessa forma, é preciso analisar a obra de literatura como uma configuração complexa: além da qualidade estética e da qualidade do texto literário, é preciso observar a qualidade da ilustração e do projeto gráfico. Ou seja, é preciso perceber a obra como um todo e se há coerência entre os seus elementos. Em relação a esse aspecto, é importante ler com atenção os apontamentos da professora Vera Teixeira de Aguiar.
Como estamos considerando a obra literária enquanto fenômeno com leis internas de funcionamento e objeto à mercê das regras sociais de uso, devemos nos ater a seu invólucro e trânsito entre os leitores. Aqui, avulta a questão da ilustração e, mais genericamente, da edição. O livro é o texto e também sua formação material, com uma face física que se apresenta ao leitor e lhe aponta sentidos. Por isso, cada vez mais, numa sociedade sedutora como a nossa, a confecção do livro infantil tem merecido cuidados visuais: capa, diagramação, ilustração. No entanto, esses elementos, mais do que um caráter apelativo de conquista do consumidor, são signos construtores de significações. Importa, então, que eles não sejam apenas redundâncias do texto escrito, repetindo as informações ali contidas (quando não contrariadas), mas também índices novos, que se somam à constituição do sentido global do livro: ilustrações criativas, em que jogos de cores, de luz e sombra, de detalhes e superposições permitam novas interpretações; diagramação cuidadosa e original, que oriente o leitor em direção de novos sentidos; capas sugestivas que provoquem curiosidade, etc. Nossa proposta é a de que a multiplicidade de linguagens de que se faz o objeto livro permita a emergência de ditos, não ditos e subentendidos, verbais e visuais, como possibilidades de sentidos que se colocam ao leitor. Dentre elas, ele vai exercer sua liberdade de escolha, combinando dados segundo sua percepção e dando um nexo para sua leitura (AGUIAR, 1999, p. 246-247).
Em suma, os livros devem permitir a plurissignificação e possibilitar que o leitor seja protagonista da construção dos sentidos. Ou seja, jovens e crianças serão leitores efetivos de textos literários quando eles conseguirem se apropriar da literatura para construir as próprias interpretações. A partir do livro lido, conseguem relacionar com a sua vida, com seu cotidiano e passam a entender melhor o mundo que os cerca e a si mesmos. Além disso, cabe citar que os livros que permitem a plurissignificação são aqueles que levam o leitor a preencher os “vazios” de uma história com sua imaginação, com seu ponto de vista, com sua compreensão.
Na imagem a seguir, temos a representação de uma biblioteca escolar, que deve ser o espaço legítimo de contato da criança e do adolescente com uma gama e diversidade de obras literárias.
Caro(a) aluno(a), somente podemos falar em uma efetiva formação de leitores se pensarmos em espaços em que crianças e adolescentes terão contato com livros e com material que permita o compartilhamento de leituras. Por isso, é responsabilidade da família, da escola, pensar e oferecer momentos em que livros e leituras serão protagonistas, além de, claro, oferecer a quem quiser material de leitura.
É para a literatura, como linguagem e como instituição, que se confiam os diferentes imaginários, as diferentes sensibilidades, valores e comportamentos por meio dos quais uma sociedade expressa e discute, simbolicamente, seus impasses, seus desejos, suas utopias. Por isso, a literatura é importante no currículo escolar: o cidadão, para exercer plenamente sua cidadania, precisa apossar-se da linguagem literária, alfabetizar-se nela, tornar-se seu usuário competente, mesmo que nunca vá escrever um livro, mas porque precisa ler muitos (LAJOLO, 2008, p. 32).
A função de um mediador é apresentar uma diversidade de obras literárias, para, assim, motivar o aluno ao hábito da leitura. Em relação a esse importante aspecto, assinale a alternativa correta.
Um mediador deve selecionar livros didáticos e pedagógicos, pois estes garantem a qualidade literária.
Incorreta. A função utilitária não garante a qualidade de um texto, pelo contrário, torna o texto limitado, aprisiona os sentidos; por isso, não devemos apenas selecionar textos com tons didáticos.
Os únicos livros que devem ser oferecidos são os de autores reconhecidos nacional e internacionalmente por meio de prêmios literários.
Incorreta. Deve ser oferecida uma gama diversa de livros, desde autores consagrados até outros gêneros, como gibis, quadrinhos, álbuns ilustrados.
Um critério fundamental para a seleção de obras literárias é a qualidade estética de uma obra, é a possibilidade de permitir múltiplas leituras.
Correta. Estes princípios são os mais importantes e inescapáveis: ter uma função literária, ou seja, não abrir mão da ficcionalidade, da plurissignificação, de um cuidado com a linguagem, ter elementos que vão chamar a atenção da criança e a representação do universo simbólico do leitor-alvo, ou seja, a criança.
É possível impor aos alunos o gosto pela leitura, por meio de atividades que incorporarão o hábito de maneira eficiente.
Incorreta. Gosto pela leitura não pode ser ensinado e não pode ser imposto. É algo que pode ser motivado, incentivado.
A criança não pode escolher o que ela lê, apenas deve ter acesso a obras mediadas e escolhidas pelos adultos.
Incorreta. A mediação da leitura pelo adulto é importante, mas a criança sempre deve ser ouvida e deve fazer suas escolhas.
A literatura é um elemento humanizador e pode ser muito significativo na trajetória de vida de uma pessoa. Além dessa importância, a presença da literatura é garantida em documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC). É o que veremos nas próximas páginas.
Os documentos oficiais que norteiam e fundamentam os currículos escolares têm em comum o ponto de ter em seus textos, em vários momentos, a importância da literatura em todas as instâncias de ensino, ou seja, na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio. Entretanto a maioria dos documentos é pouco direta e assertiva.
Um dos principais documentos aponta que:
O texto literário constitui uma forma peculiar de representação e estilo em que predominam a força criativa da imaginação e a intenção estética. Não é mera fantasia que nada tem a ver com o que se entende por realidade, nem é puro exercício lúdico sobre as formas e sentidos da linguagem e da língua. Como representação, um modo particular de dar forma às experiências humanas, o texto literário não está limitado a critérios de observação fatual (ao que ocorre e ao que se testemunha), nem às categorias e relações que constituem os padrões dos modos de ver a realidade e, menos ainda, às famílias de noções/conceitos com que se pretende descrever e explicar diferentes planos da realidade (o discurso científico). Ele os ultrapassa e transgride para constituir outra mediação de sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo atual e dos mundos possíveis (BRASIL,1998, p. 26).
Assim, tanto os PCNs do Ensino Fundamental quanto os PCNs da Educação Infantil citam a literatura como forma efetiva da formação de leitores, e a leitura literária como algo importante e central nas aulas de Língua Portuguesa. No caso da educação infantil, a literatura é um meio de incentivar a oralidade, a imaginação e a socialização. Outro aspecto importante ressaltado pelos PCNs refere-se à materialidade linguística do texto literário. Nesse ponto, os documentos apontam que os textos literários são complexos e permitem múltiplas interpretações. Sob esse enfoque, apontam a sensibilidade e a estética como elementos responsáveis pela composição diferenciada, pela originalidade e pelo caráter transgressor da arte verbal.
Caro(a) aluno(a), é importante conhecer as leis, os parâmetros e as diretrizes que definem os currículos escolares. Eles podem variar ao longo do tempo, portanto, é preciso estar alerta e descobrir quais são as diretrizes oficiais do ensino do país. Nos últimos anos, o que vem sendo discutido é a Base Nacional Comum Curricular, a chamada BNCC. Segundo o site governamental que a define, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e das modalidades da Educação Básica. Para saber mais, acesse o link disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 22 jan. 2020.
As discussões sobre educação estão sendo pautadas pela construção da BNCC, um documento que será a diretriz curricular de conteúdos das escolas do país. Isso não significa, porém, abandonar as bases definidas pelos PCNs, que nortearam a educação brasileira a partir dos anos 90. Em relação ao trabalho com literatura, os PCNs apontam:
[...] o trabalho com a literatura deve permitir que progressivamente ocorra a passagem gradual da leitura esporádica de títulos de um determinado gênero, época, autor para a leitura mais extensiva, de modo que o aluno possa estabelecer vínculos cada vez mais estreitos entre o texto e outros textos, construindo referências sobre o funcionamento da literatura e entre esta e o conjunto cultural; da leitura circunscrita à experiência possível ao aluno naquele momento, para a leitura mais histórica por meio da incorporação de outros elementos, que o aluno venha a descobrir ou perceber com a mediação do professor ou de outro leitor; da leitura mais ingênua que trate o texto como mera transposição do mundo natural para a leitura mais cultural e estética, que reconheça o caráter ficcional e a natureza cultural da literatura (BRASIL, 1998, p. 71).
A partir da citação, é possível perceber a articulação que a literatura apresenta com a formação de leitores. Coerente com essa necessidade, observe o quadro a seguir. Ele aponta, a partir dos PCNs, quais são as ações que devem ser tomadas pela escola para uma efetiva formação de leitores.
Quadro 3.1 - Ações para formação de leitores previstas pelo PCN do Ensino Fundamental
Fonte: Brasil (1998, on-line).
Como vimos no Quadro 3.1, os PCNs têm algumas diretrizes importantes para a articulação de ações da literatura como instância de formação de leitores. Com a BNCC, essas importantes discussões não são apagadas. A diferença é que, agora, o ensino não deve se articular apenas em torno de conteúdos, e sim deve centralizar competências. Ou seja, é preciso elencar quais competências serão desenvolvidas nos alunos a partir de eixos e conteúdos. Assim, forma-se uma nova estrutura.
A nova estrutura terá uma parte que será comum e obrigatória a todas as escolas e outra parte flexível, definidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que se divide em cinco áreas de conhecimento: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas; formação técnica e profissional. Nesse sentido, é preciso considerar que
o conceito de competência, adotado pela BNCC, marca a discussão pedagógica e social das últimas décadas e pode ser inferido no texto da LDB, especialmente quando se estabelecem as finalidades gerais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (Artigos 32 e 35) (BRASIL, 2018, p. 13).
Na BNCC, a competência é definida como a mobilização de conhecimentos (tanto de procedimentos quanto de conceitos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas e problemas complicados da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018). Outra definição desse importante documento é:
A BNCC é um documento plural, contemporâneo, e estabelece com clareza o conjunto de aprendizagens essenciais e indispensáveis a que todos os estudantes, crianças, jovens e adultos, têm direito. Com ela, redes de ensino e instituições escolares públicas e particulares passam a ter uma referência nacional obrigatória para a elaboração ou adequação de seus currículos e propostas pedagógicas. Essa referência é o ponto ao qual se quer chegar em cada etapa da Educação Básica, enquanto os currículos traçam o caminho até lá (BRASIL, 2018, p. 5).
A literatura também integra os documentos da BNCC, pois é a partir da literatura que permitimos a ampliação de horizontes, a construção de significados, incentivamos uma visão crítica do mundo a nossa a volta. Um dos eixos fundamentais para o ensino de Língua Portuguesa e para a educação integral é o eixo da educação literária.
Dessa forma, percebemos que, nos documentos oficiais, a literatura apresenta uma centralidade na construção da cidadania, principalmente como instância de formação de leitores. Porém, mesmo se não houvesse essa clareza nos documentos oficiais, é preciso levar em conta os inúmeros estudos que apontam a importância da educação literária, da literatura para a vida humana e para o desenvolvimento social e cognitivo de crianças e adolescentes. Por isso, na próxima seção, trataremos mais diretamente da importância da literatura.
Quando o docente concebe a leitura como uma construção subjetiva, presume um trabalho de interpretação por parte do leitor, acionando seus conhecimentos de mundo, linguagem, literatura etc. Com base no exposto, analise as assertivas a seguir.
I. A formação do leitor de literatura pressupõe, portanto, que as práticas motivem os alunos a realizarem suas leituras em busca dos diversos sentidos que um único texto pode ter.
II. A leitura é uma capacidade estimulada por toda a vida, por isso não é prioridade incentivar a leitura nas crianças.
III. O professor deve exercer o papel de mediador entre o aluno e o texto literário.
IV. Por meio da leitura da literatura é que o leitor pode extrapolar os limites de seu cotidiano e (re)criar sua história como sujeito ativo, crítico e reflexivo.
Assinale a alternativa que apresenta todas as assertivas verdadeiras.
São verdadeiras as afirmativas I, II e III.
Incorreta. É uma responsabilidade dos professores formar leitores, especialmente leitores literários, pois é por meio da leitura e da literatura que os alunos aprenderão a entender o mundo a sua volta. As afirmativas I, III e IV estão corretas.
São verdadeiras as afirmativas I, III e IV.
Correta. É uma responsabilidade dos professores formar leitores, especialmente leitores literários, pois é por meio da leitura e da literatura que os alunos aprenderão a entender o mundo a sua volta.
São verdadeiras as afirmativas I e III.
Incorreta. Realmente, a leitura é uma habilidade que aperfeiçoamos durante toda a vida, mas é fundamental ler desde cedo. Por isso, crianças devem ser estimuladas a ler desde cedo. As afirmativas I, III e IV estão corretas.
São verdadeiras as afirmativas I e IV.
Incorreta. Realmente, a leitura é uma habilidade que aperfeiçoamos durante toda a vida, mas é fundamental ler desde cedo. Por isso, crianças devem ser estimuladas a ler desde cedo. As afirmativas I, III e IV estão corretas.
São verdadeiras as afirmativas II e III.
Incorreta. É uma responsabilidade dos professores formar leitores, especialmente leitores literários, pois é por meio da leitura e da literatura que os alunos aprenderão a entender o mundo a sua volta. As afirmativas I, III e IV estão corretas.
Caro(a) aluno(a), é importante apontar que todo professor pode e deve ser um mediador de leituras literárias. Isso significa que os educadores devem ser pontes entre os alunos e os textos literários, ou seja, devem ser incentivadores e apresentar textos e livros. Para poder fazer isso, é importante ter muita clareza da importância e da função da literatura. Um conceito muito amplo é o de Antonio Candido (1967, p. 86-87) que considera a literatura como um sistema vivo:
A literatura é, pois, um sistema vivo de obras, agindo uma sobre as outras e sobre os leitores, e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é produto fixo, unívoco ante a qualquer público, nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura atuando no tempo.
Nesse sentido, o mediador precisa entender que a literatura é viva, está sempre se ressignificando. É preciso que dialogue com os alunos e os incentive a falar e a compartilhar suas leituras. Além disso, a pesquisadora francesa Michele Petit (2008, p. 43) aponta que
Ao compartilhar a leitura, cada pessoa pode experimentar um sentimento de pertencer a alguma coisa, a esta humanidade, de nosso tempo ou de tempos passados, daqui ou de outro lugar, da qual pode sentir-se próxima. Se o fato de ler possibilita-se abrir-se para o outro, não é somente pelas formas de sociabilidade e pelas conversas que se tecem em torno dos livros. É também pelo fato de que ao experimentar, em um texto, tanto sua verdade mais íntima como a humanidade compartilhada, a relação com o próximo se transforma. Ler não isola do mundo. Ler introduz no mundo de forma diferente. O mais íntimo pode alcançar neste ato o mais universal.
Para os jovens, especialmente, a literatura possibilita a construção de laços afetivos, permite que adolescentes possam se colocar no lugar dos outros, permite o exercício da alteridade. Ler torna o individual coletivo, universaliza. Por isso, a ficção é tão importante, pois cada leitor, a partir das suas leituras, entra em jornadas de autoconhecimento. Coelho (2000, p. 29), especialista em literatura infantil, aponta qual a relação da literatura com a expansão de emoções:
Desde as origens, a literatura aparece ligada a essa função essencial: atuar sobre as mentes, nas quais se decidem as vontades ou as ações; e sobre os espíritos, nos quais se expandem as emoções, paixões, desejos, sentimentos de toda ordem [...]. No encontro com a literatura (ou com a arte em geral) os homens têm a oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de vida, em um grau de intensidade não igualada por nenhuma outra atividade.
A literatura não deve ter compromissos ideológicos, não deve ter a responsabilidade de ensinar nada, uma vez que tem um compromisso artístico. Ao mesmo tempo e de forma paradoxal, a presença de leituras, de obras ficcionais, acompanhando o desenvolvimento de uma criança e de um adolescente, vai permitir que o indivíduo seja mais preparado para a vida em sociedade, mais preparado culturalmente, mais crítico em relação ao mundo em que vive, mais sensível às emoções e às questões humanas.
Essa ambivalência é tratada em um importante texto do grande estudioso Antonio Candido, A literatura e a formação do homem (1972), no qual o autor concebe a literatura como força humanizadora, ou seja, como algo que exprime o homem, atuando, ao mesmo tempo, em sua formação. Martha (2012, p. 12) explica o que seria essa força humanizadora para Candido:
Para o autor, o processo de humanização realiza-se com o cumprimento de três funções: psicológica, formativa e de reconhecimento do mundo e do ser. A primeira, a psicológica, pode ser explicada pela necessidade que todo homem, seja criança, jovem ou adulto, tem de consumir fantasia, pois ninguém pode passar um dia sequer sem criar, imaginar situações, contar piadas ou histórias mais elaboradas. Em todos os níveis sociais, o cotidiano é constituído pela imaginação e pelo lúdico que, por vezes, antecipa, inclusive, o caráter pragmático e racional das invenções, por exemplo. Antes de criar determinado produto ou artefato, o homem sonha que é capaz de fazê-lo. Mas, segundo Candido, a modalidade que satisfaz de forma mais completa a necessidade de fantasia, inerente ao ser humano, é a literatura. Além da psicológica, a literatura cumpre uma função formadora, que não deve ser vista como pedagógica ou moralizadora. Para o crítico, a literatura não é uma arte inofensiva, uma vez que, ao transfigurar o real, carrega, como a vida, tanto o bem como o mal. Candido, ao abordar esse aspecto, indaga se a literatura possui uma função formativa tradicional, pedagógica, moralizadora, refletindo em seu questionamento a dúvida de todos aqueles que trabalham com textos literários na escola. Como resposta, considera a complexidade dessa função na arte literária, diferenciando-a de pressupostos estritamente pedagógicos, observando, inclusive, que a literatura não é uma arte inofensiva, já que, como a própria vida, é uma aventura que tanto pode trazer o bem como o mal.
Assim, a partir de Candido, temos a defesa da literatura como um direito de todo ser humano, por ela estabelecer laços como uma instância civilizatória e cultural. Observe o quadro a seguir para compreender melhor o exposto.
Quadro 3.2 - Funções da literatura
Fonte: Adaptado de Candido (1972).
Dessa forma, a formação de leitores, especialmente de leitores literários, permite que as crianças e os adolescentes tenham acesso a formas elaboradas de pensamento, por isso, a emergência e a importância de práticas de formação de leitores literários na escola. Observe a figura a seguir, nela, temos uma criança descobrindo uma biblioteca. Esta deveria ser uma preocupação de pais, educadores, enfim, de todos os profissionais envolvidos com crianças.
Na citação a seguir, temos as especificações do que caracterizaria uma leitura literária:
Para que uma leitura se especifique como leitura literária, é consensual que o leitor deva ser capaz de ocupar a posição semiótica do destinatário do texto, refazendo os processos autorais de invenção que produzem o efeito de fingimento. Idealmente, o leitor deve coincidir com o destinatário para receber a informação de modo adequado. Essa coincidência é prescrita pelos modelos dos gêneros e pelos estilos que funcionam como reguladores sociais da recepção, compondo destinatários específicos dotados de competências diversificadas: mas a coincidência é apenas teórica, quando observamos o intervalo temporal e semântico existente entre destinatário e leitor. Assim, a leitura literária é uma poética parcial ou uma produção assimétrica de sentido (HANSEN, 2005, p. 19-20).
O autor aponta que a leitura literária é um processo em que um leitor, com seu ponto de vista, seu olhar sobre o mundo, entra em contato com outro ponto de vista, criado por um autor e materializado em uma obra literária. Tal descrição pode fazer parecer que a leitura literária é algo formalizado e que somente compete a crianças maiores. Porém isso não é verdade. É possível proporcionar leituras literárias para todas as faixas etárias, e estamos falando, também, da educação infantil.
Ao falar de educação infantil, você pode estar pensando em crianças de 3, 4 anos e em práticas como contação de histórias, fantoches, motivações de oralidade. Você não estará errado, a literatura é uma aliada fundamental para essa faixa etária. Porém, estamos falando, também, de bebês. Sim, é possível motivar leitura literária desde o nascimento. Observe a citação sobre a relação de bebês com leituras literárias:
Neste sentido, é importante lembrar que a aprendizagem dos bebês acontece inicialmente pelo corpo, por meio do movimento, das sensações, das expressões faciais, assim como por meio de interações e brincadeiras, em que seja possível manusear os objetos relacionados ao enredo dos livros, de modo a auxiliar no processo de significação do título, materializando o que haviam primeiramente imaginado. Sobre a interação dos bebês com os exemplares, constatou-se interesse, curiosidade, participação ativa das crianças e, como isso, resulta na valorização e na importância da presença dos livros e dos momentos de leitura no dia a dia da turma de berçário, seja por meio de leituras selecionadas e realizadas pelo adulto, sem adaptações no texto, ou da leitura de imagens realizada pela criança (RAMOS; PINTO; GIROTTO, 2018, p. 9).
Ou seja, já são comuns práticas de pesquisa que comprovam que a literatura pode fazer parte da vida da criança desde o princípio. Essas práticas vão ser fundamentais para a formação da criança. Em suma, o essencial é fazer com que as crianças vivam e frequentem ambientes que sejam provocadores de leituras. Por exemplo,
conforme as crianças vão crescendo, o local vai mudando de configuração e outros objetos são inseridos neste contexto: as almofadas se transformam em pequenas poltronas, há cadeirinhas e também estantes baixas com rodinhas. Os livros estão sempre na altura das crianças, à disposição e ao alcance de suas mãos (SOUZA; GIROTTO, 2014, p. 3).
Oferecer livros às crianças, sempre e em diversidade. Esse deve ser um foco fundamental da educação literária. Assim, a criança vai aprendendo a ser íntima de livros, como podemos observar na citação a seguir:
[...] a criança diante do livro observa, se concentra, escolhe, experimenta, troca um livro por outro de materialidade diferente (de pano, emborrachado, cartonado, com luzes e sons, aromas, tridimensionais em pop-ups, carregados de rimas, onomatopeias e alterações, dentre outros estímulos sensoriais), interage com outras crianças à sua volta, com o educador, tenta resolver dúvidas que a atividade prática com o livro como objeto gera (SOUZA; GIROTTO, 2014, p. 4).
Caro(a) aluno(a), o ideal é que práticas de leitura literária passem a acompanhar sempre a rotina de crianças e adolescentes. Porém sabemos que esse é um panorama ideal: não é exatamente o que acontece. O que vemos mais provavelmente é crianças e adolescentes que crescem sem motivação e sem animação à leitura. Lembre-se, também, de que nunca é tarde para criar motivações. Costa (2007, p. 113) destaca que
Um encaminhamento que propicia o melhor desempenho dos professores formadores de leitores consiste em intensificar a pesquisa no campo da leitura e da recepção de textos. Esse objetivo é sustentado pela crença de que não existe um bom docente em sala de aula se não o alimentar um pesquisador, isto é, se ele não for movido pela curiosidade e pela persistência em buscar descobrir o que ainda não conhece.
Ou seja, é fundamental que você, como mediador(a), ou professor(a), esteja atento(a) a novos conhecimentos e oportunidades para aumentar seu saber acerca de técnicas, projetos e possibilidades para a formação de leitores.
“O livro como suporte não é normalmente considerado importante, exceto no caso de artigos de colecionador, do trabalho de bibliófilos ou de livros ilustrados. […] A maioria das pessoas (e não só crianças) têm uma relação sensual com os livros; como ele é ao tato, o seu peso na mão, o tamanho, a forma (e, para crianças mais novas, seu gosto): tudo importa” (HUNT, 2010, p. 119-120).
Caro(a) aluno(a), no quadro a seguir, transcrevemos um exemplo prático de efetivação de leitura literária com uma turma de Ensino Fundamental. O livro escolhido pela proposta é a obra Dia de Chuva, escrita por Ana Maria Machado e ilustrada por Nelson Cruz (2007).
Quadro 3.3 - Leitura literária da obra Dia de Chuva de Ana Maria Machado
Fonte: Adaptado de Cosson (2010, p. 59-64).
Além de pensar na leitura literária com crianças, o leque se amplia quando pensamos na leitura literária com adolescentes e jovens. É preciso acreditar e apostar na possibilidade libertadora que se abre com os textos literários. Por isso, no caso de jovens e adolescentes, é preciso dialogar com as leituras feitas por eles no cinema, com séries, com videogames, com os produtos culturais consumidos a partir de influências diversas.
Isso não significa abrir mão de valorizar a leitura de clássicos, de obras do cânone literário, pois é preciso sim que a escola ensine a ler o texto literário e crie um percurso de leitura que contemple clássicos desse cânone. Entretanto não deve se fechar completamente às obras fomentadas pelo capitalismo de ficção; se são lidas, é preciso refletir sobre elas, compreender o seu funcionamento enquanto ficção, para, então, analisar a sua literariedade. O fato é que muitos dos livros que nascem como produtos repercutem, encantam, formam leitores. Por isso, é importante resgatar outra afirmação de Candido (1985): a literatura só existe quando repercute. Ou seja, literatura só é literatura quando é lida, quando é propagada, quando toca os leitores e alcança uma existência própria. Nessa perspectiva, também recorremos a Chartier (2000, p. 14):
[...] para incitar à leitura, é preciso evitar duas posições extremas: seja considerar como dignos de serem lidos somente os textos e os gêneros canônicos da cultura clássica, seja, ao contrário, tomar todas as leituras como equivalentes. [...] o caminho é, pois, estreito, mas fundamental, que deve conduzir as próprias práticas, desde leituras “indignas”, ‘selvagens’, até uma relação mais enriquecedora com obras profundas e densas.
Formar leitores é se abrir para diferentes frentes de diálogos. No caso de adolescentes, um ponto de partida é justamente a valorização das leituras selvagens e o amplo diálogo sobre elas.
A premiada e reconhecida autora Marina Colasanti caracteriza assim a importância da literatura:
“A narrativa não funciona somente como intermediário entre nós e o mundo. Ela é também mediadora entre nós e nós mesmos, entre aquilo que em nós é consciência, razão, controle, e aquilo que é sentimento, inconsciente, impulso. A narrativa nos aproxima daquilo que não sabemos. (...) Literatura é isso, um texto com face oculta, fundo falso, passagens secretas, um tesouro escondido que cada leitor encontra em um lugar diferente e que para cada leitor é outro”.
Fonte: “A LEITURA me fez escritora", diz Marina Colasanti na Feira do Livro de Joinville. NSC Total, 2018. Disponível em: http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/cultura-evariedades/noticia/2018/06/a-leitura-me-fez-escritora-diz-marina-colasanti-na-feira-do-livrode-joinville-10371454.html. Acesso em: 23 jan. 2020.
Dito isso, qual a importância da literatura para as crianças? Analise as asserções a seguir.
I. A literatura é importante para crianças, pois permite a construção do sonho, da imaginação, além de fazê-las conhecer melhor a si mesmas e aos outros.
PORQUE
II. A literatura permite um melhor autoconhecimento e conhecer melhor os outros, uma vez que permite que o leitor vivencie emoções e escolhas às quais não teria acesso sem a leitura.
As duas afirmativas são verdadeiras, porém não estabelecem relação entre si: a segunda não é uma justificativa da primeira.
Incorreta. As citações apontam duas diferentes funções da literatura: a psicológica e a de conhecimento do mundo e do ser. Ambas estão corretas e são convergentes.
A primeira é uma afirmativa verdadeira; e a segunda, falsa.
Incorreta. As citações apontam duas diferentes funções da literatura: a psicológica e a de conhecimento do mundo e do ser. Ambas estão corretas e são convergentes.
A primeira é uma afirmativa falsa; e a segunda, verdadeira.
Incorreta. As citações apontam duas diferentes funções da literatura: a psicológica e a de conhecimento do mundo e do ser. Ambas estão corretas e são convergentes.
As duas afirmativas apresentam inadequações e estão incorretas.
Incorreta. As citações apontam duas diferentes funções da literatura: a psicológica e a de conhecimento do mundo e do ser. Ambas estão corretas e são convergentes.
As duas afirmativas são verdadeiras, e a segunda é uma justificativa correta da primeira.
Correta. A segunda afirmativa justifica a primeira, pois a primeira elenca elementos fundamentais que a literatura insere na vida da criança, e a segunda afirmação a complementa.
Nas seções anteriores, tratamos da importância da presença da literatura no ensino, especialmente da literatura infantil e juvenil. Nesse momento, abordaremos as formas como a educação literária pode ser articulada ao ensino.
Antes de mais nada, é preciso destacar a forma não ideal de apresentar um texto literário:
O modelo de aula de literatura atualmente em vigor na escola brasileira poderia ser descrito como uma sequência de atividades mais ou menos estáticas, ditadas inclusive pelo livro didático: apresentação de um texto, explicação do vocabulário, exercícios de interpretação, exercícios gramaticais e composição (BORDINI; AGUIAR, 1993, p. 36).
A citação é de um texto de 1993, mas ainda mantém uma perturbadora atualidade: em algumas escolas, o texto literário não aparece como uma instância de formação de leitores, e sim como um mero pretexto para estudar conteúdos gramaticais, como uma obrigação que deve ser cumprida por meio de extensas e tediosas listas de leitura e relatórios. Nesse contexto, a leitura se afasta de uma perspectiva humanizadora.
Na citação a seguir, temos uma perspectiva mais positiva da leitura literária na escola. Observe:
O primeiro espaço da literatura na sala de aula é o lugar do texto, da leitura do texto literário. Tudo se inicia com o imprescindível e motivado contato com a obra. Ler o texto literário em casa, na biblioteca ou em sala de aula, silenciosamente ou em voz alta, com ou sem a ajuda do professor, permite o primeiro encontro do leitor com o texto. Um encontro que pode resultar em recusa da obra lida – que deve ser respeitada – ou em interrogação ou admiração – que devem ser exploradas. É essa exploração que constitui a atividade da aula de literatura, o espaço do texto literário em sala de aula (COSSON, 2010, p. 58).
A leitura que deve ser incentivada deve vir desse momento de contemplação e reflexão. É a partir dessa troca que é possível formar leitores. Não por meio de atividades burocráticas e pouco inspiradas. Diante disso, vamos conhecer algumas sequências didáticas?
Caro(a) aluno(a), a primeira metodologia que conheceremos foi desenvolvida pelas pesquisadoras Vera Teixeira de Aguiar e Glória Bordini. Trata-se da metodologia recepcional. Ela leva em conta a perspectiva do leitor: seria o leitor um protagonista do ato de leitura, já que é ele quem preenche os espaços em branco, os vazios do texto. Além disso, todo leitor tem um horizonte de expectativa: um ponto de partida, um repertório que o faz conhecer o mundo, um interesse de leitura. O professor, o educador ou o mediador deve interrogar e conversar com a criança e o adolescente para entender qual o seu horizonte de expectativa e, a partir dele, sugerir leituras, fazer práticas que possam ampliá-lo. Vamos conhecer as cinco etapas dessa metodologia?
A primeira:
1. Determinação do horizonte de expectativas: Partindo de conversas espontâneas, de entrevistas ou questionários, o educador procura levantar quais são os valores dos estudantes (suas crenças, modismos, estilos de vida, preferências, preconceitos...) e quais seus interesses específicos na área de leitura. Tal levantamento permite prever temas e estratégias de trabalho que partam da realidade dos alunos, para depois providenciar situações que provoquem ruptura e transformação dos horizontes de expectativas dos mesmos (AGUIAR, 2012, p. 62).
A primeira etapa diz respeito a conhecer as crianças, os adolescentes. Saber quais são seus interesses, preferências, quais serão as estratégias de leitura que melhor resultado farão. Por exemplo, o professor pode identificar que o adolescente prefere funk, sertanejo, quadrinhos, HQs e, a partir disso, dialogar com suas leituras. No caso de crianças, pode perceber se ela gosta de aventura, de terror, de histórias de monstros.
Vamos, agora, conhecer o segundo passo:
2. Atendimento do horizonte de expectativas: O professor proporciona à classe experiências com obras que satisfaçam as preferências dos jovens, dentro de um clima conhecido, propício à identificação, através de atividades costumeiras (AGUIAR, 2012, p. 62).
Uma vez que o professor identifica os repertórios e gostos dos alunos, ele vai criar atividades com narrativas que atendem a essa expectativa. Assim, se os adolescentes demonstrarem interesse em Funk, o professor pode trazer letras desse ritmo e criar atividades de leitura. Se as crianças gostarem de histórias de monstros, o professor pode contar histórias folclóricas com monstros, e assim por diante.
O terceiro passo é apresentar outros textos literários que vão provocar um rompimento com o que o aluno espera.
3. Ruptura do horizonte de expectativas: O educador introduz textos e atividades de leitura que problematizem as convicções e os costumes dos alunos, matérias e propostas que apresentem maiores exigências a eles, tanto no seu conteúdo quanto na sua forma e, ainda, nos modos inovadores de abordagem (AGUIAR, 2012, p. 63).
Assim, por exemplo, o professor pode trazer para os adolescentes poemas questionadores que apresentam elementos reconhecíveis no funk, por exemplo, a poesia contestadora de Castro Alves ou a irreverência de outro poeta clássico. No caso das crianças, mencionado antes, pode trazer uma história em que o monstro não é uma criatura horrível, e sim o mocinho da história. Enfim, nesse momento o aluno será confrontado com novas experiências de leitura.
A partir disso, definem-se o quarto e o quinto passos:
4. Questionamento do horizonte de expectativas: Aqui, ocorre a comparação entre as duas etapas anteriores. Os alunos devem analisar e comparar o que foi lido, e debater seu próprio comportamento em relação às suas leituras
[...]
5. Ampliação do horizonte de expectativas: Essa etapa resulta da anterior, pois os estudantes percebem que as leituras feitas partem da visão de mundo que eles possuem e vão se alargando. Assim, os leitores tomam consciência das mudanças vividas, obtidas na experiência com a literatura, avaliando seus ganhos existenciais (AGUIAR, 2012, p. 63).
O aluno é convidado a refletir sobre toda sua experiência e compara as duas leituras feitas. Dessa forma, progressivamente, o seu horizonte de expectativa é ampliado. No quadro a seguir, há uma sugestão da aplicação dessa metodologia, observe.
Quadro 3.4 - Modelo de aplicação da metodologia recepcional
Fonte: Aguiar (2012, p. 65).
Ao eleger o leitor como elemento central de uma atividade que explora a leitura literária, o mediador garante que seu horizonte de leitura será ampliado. Essa metodologia é um recurso muito válido para pensar em ações para formação de leitores.
Caro(a) aluno(a), além da metodologia descrita anteriormente, há muitas outras possíveis. Uma delas é decorrente de estudos recentes e de pesquisas acerca do letramento literário. Vamos entender melhor esse conceito?
Letramento diz respeito a todas as práticas de leitura e escrita feitas pelos seres humanos ao longo da sua vida. Desenvolver e trabalhar com letramentos significa formar leitores e escritores dos mais diversos gêneros que vão agir sobre a realidade de forma crítica e ativa. O letramento literário, nessa perspectiva, é o letramento específico da leitura literária; é, assim, para Souza e Cosson (2018), singular e irá apresentar marcantes diferenças, já que pressupõe uma relação diferenciada com a palavra escrita.
A diferença é notável, principalmente se levarmos em conta que a literatura ocupa um lugar único em relação à linguagem, pois ela é capaz de “tornar o mundo compreensível transformando a sua materialidade em palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas” (COSSON, 2016, p. 17). Levando em conta tal peculiaridade, podemos definir o letramento literário como “o processo de apropriação da literatura enquanto construção literária de sentidos” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67). Por isso, o indivíduo necessita ser um leitor crítico e ativo de textos literários e, dessa forma, poderá compreender suas especificidades linguísticas, culturais e artísticas. Nas palavras de Cosson (2016, p.16),
a ficção feita palavra na narrativa e a palavra feita matéria na poesia são processos formativos tanto da língua quanto do leitor. Uma e outra permitem que se diga o que não sabemos dizer e nos dizem de maneira mais precisa o que queremos dizer ao mundo e nós mesmos.
Sendo assim, a literatura é uma forma de ampliar horizontes e maneiras de se estar e sentir no mundo. Torna-se importante pensar o letramento literário como um processo, e não como uma mera habilidade que, depois de apreendida, passa a ser executada de forma automática. Tal habilidade não se constrói de uma só vez, pelo contrário, é algo a ser aperfeiçoado por toda a vida. Portanto, transcende os limites espaciais e temporais, uma vez que se trata de um movimento de dar sentido ao mundo por meio das palavras. Podemos entender melhor esse conceito a partir da seguinte citação:
[...] considerar o letramento literário um processo significa tomá-lo como um estado permanente de transformação, uma ação continuada, e não uma habilidade que se adquire como aprender a andar de bicicleta ou um conhecimento facilmente mensurável como a tabuada de cinco. Também deve ficar claro que o letramento literário não começa nem termina na escola, mas é uma aprendizagem que nos acompanha por toda a vida e que se renova a cada leitura de uma obra significativa. Depois, trata-se de apropriação, isto é, um ato de tornar próprio, de incorporar e com isso transformar aquilo que se recebe, no caso, a literatura. [...] Por fim, trata-se da apropriação da literatura não apenas como um conjunto de textos, consagrados ou não, mas também como um repertório cultural que proporciona uma forma singular – literária – de construção de sentidos (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67-68).
Cosson (2016), em seus estudos sobre letramento literário, desenvolveu a sequência básica: uma metodologia com quatro passos que prepara os alunos para a leitura literária. Vamos conhecer esses quatro passos?
O primeiro passo seria a motivação.
[...] a leitura demanda uma preparação, uma antecipação, cujos mecanismos passam despercebidos porque nos parecem muito naturais. Na escola, essa preparação requer que o professor a conduza de maneira a favorecer o processo da leitura como um todo. Ao denominar motivação a esse primeiro passo da sequência básica do letramento literário, indicamos que seu núcleo consiste exatamente em preparar o aluno para entrar no texto. O sucesso inicial do encontro do leitor com a obra depende de boa motivação (COSSON, 2016, p. 54).
Dessa forma, o primeiro passo é criar uma atividade que vai motivar o aluno à leitura. Por exemplo, se o objetivo é fazer a leitura de um conto do folclore popular reescrito por um autor como Ricardo Azevedo, uma boa atividade de motivação é uma música popular ou trazer parlendas e ditos populares, charadas e indagar os alunos sobre elas. Enfim, na motivação, vamos criando perguntas para preparar o aluno para a leitura literária.
Após a motivação, temos o segundo passo, que é a introdução. Cosson (2016, p. 57) define a categoria introdução como “a apresentação do autor e da obra”. Ou seja, é uma breve contextualização em que o professor apontará elementos importantes que vão ajudar o aluno a compreender melhor o texto que ele terá diante de si.
O terceiro passo é a leitura propriamente dita. Para essa leitura, a definição é a seguinte:
A leitura escolar precisa de acompanhamento porque tem uma direção, um objetivo a cumprir, e esse objetivo não deve ser perdido de vista. Não se pode confundir, contudo, acompanhamento com policiamento. O professor não deve vigiar o aluno para saber se ele está lendo o livro, mas sim acompanhar o processo de leitura para auxiliá-lo em suas dificuldades, inclusive aquelas relativas ao ritmo da leitura.
[...]
Ao acompanhar a leitura dos alunos por meio dos intervalos, o professor poderá ajudá-los a resolver ou, pelo menos, equacionar questões que vão desde interação com o texto, a exemplo do desajuste das expectativas que pode levar ao abandono do livro, até o ritmo de leitura, possível consequência tanto das condições de legibilidade do texto quanto da disponibilidade do aluno para realizar a atividade (COSSON, 2016, p. 62-64).
A leitura do texto literário pode ser em conjunto ou individual. O importante é que o professor esteja atento para fazer a mediação nos momentos certos.
O quarto passo é a interpretação. O ideal é que essa seja uma atividade de partilha, de socialização. Pode ser um debate, um desenho, um vídeo, uma conversa em forma de roda, uma dinâmica ou qualquer forma de fazer com que os alunos compartilhem diferentes opiniões sobre o mesmo texto. Essa troca de impressões amplia e enriquece o percurso da leitura literária.
Na escola, entretanto, é preciso compartilhar a interpretação e ampliar os sentidos construídos individualmente. A razão disso é que, por meio do compartilhamento de suas interpretações, os leitores ganham consciência de que são membros de uma sociedade e de que essa coletividade fortalece e amplia seus horizontes de leitura (COSSON, 2016, p. 66).
Em suma, a metodologia do letramento literário permite ao professor a construção de um caminho para uma compreensão crítica e coletiva de interpretações acerca dos textos literários.
Caro(a) aluno(a), tentamos desenvolver uma reflexão sobre a formação dos professores e sobre a formulação dos currículos, pensando sempre na importância da literatura e da leitura literária para o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Você teve a oportunidade de refletir sobre a importância da literatura, sobre diferentes metodologias e práticas de leitura literária e sobre a emergência da formação de leitores. Agora é o momento de ampliar e aprofundar o debate aqui proposto: é preciso considerar que, apesar da ampla e rica produção literária brasileira para crianças e jovens e de dados e alertas de pesquisadores da literatura e da educação, o ensino de literatura ainda precisa de especial atenção.
Por isso, você precisa agir e ser um mediador, um formador de leitores. Como mediador desse processo, você deve ser/estar consciente de seu papel como aquele que incentiva e motiva diferentes leituras literárias e auxilia o desenvolvimento da capacidade interpretativa dos seus alunos – permitindo tanto uma lúcida socialização dos indivíduos como a experimentação de uma fruição literária construída e consolidada ao longo dos anos que ficarão na escola.
Conhecemos duas importantes metodologias de educação literária: método recepcional e letramento literário. Em relação a isso, analise as alternativas a seguir.
I. O quarto passo é a interpretação. O ideal é que essa seja uma atividade de partilha, de socialização. Pode ser um debate, um desenho, um vídeo, uma conversa em forma de roda, uma dinâmica ou qualquer forma de fazer com que os alunos compartilhem diferentes opiniões sobre o mesmo texto.
II. Questionamento do horizonte de expectativas: aqui, ocorre a comparação entre as duas etapas anteriores. Os alunos devem analisar, comparar o que foi lido e debater seu próprio comportamento em relação às suas leituras.
III. Os quatro passos se orientam a partir da leitura, do texto que será feito. Por isso, motivação, introdução, leitura e interpretação são feitas a partir do texto literário.
IV. Seus cinco passos se orientam a partir do leitor, são gostos e preferências que definirão o horizonte de expectativa e a forma de ampliá-lo.
Quais das afirmativas dizem respeito ao método recepcional? Assinale a alternativa correta.
Apenas as afirmativas I e II.
Incorreta. As afirmativas I e III referem-se a passos da metodologia criada a partir do conceito de letramento literário. As afirmativas corretas são a II e IV.
Apenas as afirmativas II e IV.
Correta. Tanto a afirmativa II quanto a IV usam nomenclaturas como “horizonte de expectativa”, termos pertencentes ao método recepcional.
Apenas as afirmativas II e III.
Incorreta. As afirmativas I e III fazem referência a passos da metodologia criada a partir do conceito de letramento literário. As afirmativas corretas são II e IV.
Apenas as afirmativas III e IV.
Incorreta. Tanto a afirmativa II quanto a IV usam nomenclaturas como “horizonte de expectativa”, termos pertencentes ao método recepcional. As afirmativas corretas são II e IV.
Apenas as afirmativas I e IV.
Incorreta. Tanto a afirmativa II quanto a IV usam nomenclaturas como “horizonte de expectativa”, termos pertencentes ao método recepcional. As afirmativas corretas são II e IV.
Nome do livro: A leitura e o ensino da literatura
Editora: Intersaberes
Autor: Regina Zilberman
ISBN: 8565704513
O livro é um dos muitos que poderiam ser sugeridos para pensar a função e a importância da literatura na escola. Especificamente, neste livro, estão dispostos ensaios da professora Zilberman, que lança luz a questões relativas à formação de leitores literários. Além disso, em cada um dos artigos do livro, há um desdobramento teórico a respeito da importância da formação de leitores, mas isso examinado de forma contextual, histórica, social e até cognitiva e política.
Nome do filme: Sociedade dos Poetas Mortos
Gênero: Drama
Ano: 1989
Elenco principal: Robin Williams, Ethan Hawke, Robert Sean Leonard, Josh Charles.
O filme é um clássico que tematiza a importância da literatura e da arte como instância humanizadora na educação dos jovens. Ele narra a reunião de um professor de literatura com um grupo de estudantes na Welton Academy, uma instituição líder e prestigiada em 1959. O ensino tradicional não se abria para a poesia e para a literatura. Esse professor revoluciona a escola e o mundo desses jovens, apresentando a literatura e formando leitores. O filme ganhou um Óscar de melhor roteiro original.
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=Oo9R1neW4lw. Acesso em: 23 jan. 2020.