A educação no contexto da sociedade moderna: a relação indivíduo x coletividade
Após a discussão apresentada nas unidades anteriores, acerca dos fundamentos filosóficos e da evolução histórica da educação, que abordou os principais pensadores e suas perspectivas para o campo educacional, abordaremos, agora, a educação no cenário da sociedade moderna, de modo a problematizar a relação entre indivíduo e coletividade. Em cada momento histórico, a educação é constituída e compreendida de diferentes maneiras, estando vinculada às características econômicas, sociais, políticas, culturais e ambientais de cada época.
Dessa maneira, é necessário destacar que a sociedade moderna se constituiu no período histórico denominado Modernidade, que compreendeu, de modo aproximado e didático, os anos de 1453 a 1789. A Modernidade rompe com a Idade Média, período que, de acordo com Cambi (1999, p. 196), “[...] negava o exercício das liberdades individuais para valorizar, ao contrário, os grandes organismos coletivos (a Igreja ou o Império, mas também a família e a comunidade), favorecendo o bloqueio de qualquer mudança ou intercâmbio social”.
O mundo passou por profundas mudanças na transição da Idade Média para a Idade Moderna, período de expansão das atividades econômicas pelo globo terrestre por meio do comércio, das Grandes Navegações e da exploração de outros territórios sob o nome de “descobrimento” e colonização, do nascimento dos Estados Nacionais, da diminuição (mas não supressão) da influência da Igreja e do aumento da importância da ciência na sociedade (CAMBI, 1999). É o período de gestação do capitalismo, modo de produção caracterizado pelo “[...] puro cálculo econômico e pela exploração de todo recurso (natural, humano, técnico)” (CAMBI, 1999, p. 197).
Economicamente, o momento predominante do capitalismo na Modernidade foi o comércio, a expansão mundial das relações de importação e exportação de produtos, em que os países mais ricos, localizados, especialmente, na Europa, exploravam os recursos dos países mais pobres, principalmente aqueles da América Latina e da África. Politicamente, o período é marcado pelo nascimento do Estado Moderno, controlado pelo soberano, ainda sob a figura dos reinados, mas, agora, com uma distribuição maior do exercício do poder, por exemplo, por meio de um sistema de controle, como as prisões, as escolas, os locais de trabalho abertos (GIDDENS, 1991).
Social, ideológica e culturalmente, há a formação de uma nova classe, denominada burguesia, nascida dos burgos (pequenas cidades protegidas por muros que começaram a se organizar no final da Idade Média), que promoveu inúmeras transformações. A burguesia construiu e alimentou as engrenagens do capitalismo, assim como constitui uma nova concepção de mundo baseada na laicidade (exclusão da influência da religião no Estado, na cultura e na educação) e na racionalidade (uso da razão para a explicação dos fenômenos sociais que, antes, eram explicados pela fé); o homem e a ciência tornam-se cada vez mais o centro da sociedade, tomando o espaço que, antes, era ocupado por Deus e pela Igreja (CAMBI, 1999).
Fique por dentro
em 1980, o intelectual italiano Umberto Eco publicou um romance que se tornou mundialmente famoso, chamado “O nome da Rosa”. O romance, ambientado na Idade Média, expõe alguns dos embates entre a ciência e a Igreja. É uma narrativa repleta de mistérios que envolvem a relação entre a fé e a razão. Trata-se de um livro fundamental para quem quer compreender um pouco mais a transição da Idade Média para a Idade Moderna, bem como o papel da educação.
A educação, nesse cenário da emergente sociedade moderna, também sofreu intensas modificações, tendo como comparação a educação da Idade Medieval, que educava, sobretudo, para a obediência a Deus e aos dogmas da Igreja. De acordo com Cambi (1999), ocorreu uma profunda revolução dos saberes, uma revolução da educação e da pedagogia. Para o referido autor:
[...] toda a sociedade se anima de locais formativos, além da família e da igreja, como ainda da oficina; também o exército, também a escola, bem como novas instituições sociais (hospitais, prisões ou manicômios) agem em função do controle e da conformação social, operando no sentido educativo; entre essas instituições, a escola ocupa um lugar cada vez mais central, cada vez mais orgânico e funcional para o desenvolvimento da sociedade moderna: da sua ideologia (da ordem e da produtividade) e do seu sistema econômico (criando figuras profissionais, competências das quais o sistema tem necessidade). (CAMBI, 1999, p. 198)
No contexto da sociedade moderna, a educação, antes, ministrada, sobretudo, pela igreja e pela família, passa por uma institucionalização, ou seja, o Estado passa a ter um papel fundamental na organização da escola, que se torna essencial na formação do indivíduo e da sociedade. De acordo com Cambi (1999, p. 205), no cenário da Modernidade, surge uma escola “[...] que instrui e que forma, que ensina conhecimentos, mas também comportamentos, que se articula em torno da didática, da racionalização da aprendizagem dos diversos saberes, e em torno da disciplina, da conformação programada e das práticas repressivas”.
Intelectuais desse período, como Jan Amos Comênio (1592-1670), René Descartes (1596-1650), John Locke (1632-1704), François Fénelon (1651-1715) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), contribuíram com a reformulação do currículo da educação a ser ministradas nas escolas, que é agora preocupada com outros elementos do conhecer e do saber, explorando áreas da ciência como matemática, física e geografia, por exemplo. Como analisa Rosa (1993, p. 152),
Comênio é o profeta da moderna escola democrática; confere igual dignidade a todos os níveis educativos e o direito à educação a todos. Descartes procurou destronar Aristóteles, conferindo ao homem razões para viver e criar. Locke popularizou uma filosofia prática que se integrava ao espírito da época. Fénelon reagiu contra a política de Luís XIV, propondo mudanças sociais.
O saber científico perturbou a Igreja, por exemplo, as descobertas de Nicolau Copérnico (1473-1543) - que desenvolveu a Teoria do Heliocentrismo -, de Johannes Kepler (1571-1630) - que elaborou conhecimentos acerca da Astronomia - e de Galileu Galilei (1564-1642) - que elaborou conhecimento acerca da Física. A ciência, baseada na observação, na empiria e na comprovação, tornou-se basilar para o modelo de escola que surge nesse período. De acordo com Cambi (1999, p. 210), houve uma mudança nos objetivos da educação, de modo que ela
[...] não versa mais sobre a formação do ‘bom cristão’ ou do douto-cortesão (que dava ênfase a uma cultura ornamental, desenvolvida em chave religiosa, antimundana e literária), mas sim sobre a formação do cidadão, de um indivíduo ativo na sociedade e inserido na organização da comunidade estatal, ligado ao costume do povo a que pertence e à prosperidade da nação, consciente de seus direitos e de seus deveres como sujeito social.
Fique por dentro
as disputas entre a Igreja e a Ciência continuam até a contemporaneidade, como exemplo, as discussões acerca da polêmica do aborto. A Igreja (católica ou evangélica) continua reforçando sua posição contra o aborto, conflitando com a ciência e a política, que podem admitir o aborto em casos, por exemplo, de estupro, risco de vida à mãe e anencefalia do feto. Recentemente, em junho de 2017, um senador da bancada evangélica do Congresso apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n. 29, com o objetivo de garantir a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção, todavia, para cientistas e professores da área da medicina fetal, os argumentos utilizados pelo senador são falsos, contradizem e distorcem as pesquisas feitas a respeito da temática atualmente, como pode ser lido na matéria a seguir: brasil.elpais.com
A educação na Modernidade preocupou-se, especialmente, com a formação do indivíduo, a partir de conhecimentos que realizavam a negação da metafísica, ou seja, das explicações baseadas na fé e na interpretação da Igreja, para a valorização de modelos pedagógicos baseados na ciência e na racionalidade, isto é, na explicação dos fenômenos pela razão, pela observação e pela empiria. O modo de produção capitalista, como já foi dito, gestado na Modernidade, sobrevive da incitação ao desenvolvimento do indivíduo. Como pondera Cambi (1999, p. 218),
[...] aquele sujeito livre, autônomo e responsável, mas que se sabe também construtor ativo de próprio mundo e caracterizado pela escolha e pela possibilidade; sujeito que se opõe ao mundo e à sociedade e que se indaga de maneira cada vez mais sutil e crítica, que encontra em si mesmo o sentido (ainda que in fieri e incompleto) do real, as raízes últimas daquela construção de sentido.
Todavia, é necessário problematizar a ênfase na formação do indivíduo apregoada pela educação da Modernidade, pois o sujeito livre, autônomo e responsável vive em sociedade, ou seja, na coletividade, e suas ações estão profundamente relacionadas com outros sujeitos, de modo que não vivemos sozinhos. Para constituir nossa vida, por meio do trabalho, do estudo e do lazer, dependemos do outro, isso quer dizer que nosso sucesso não está apenas condicionado a nossa capacidade individual (embora ela seja muito importante) mas, também, está vinculado à sociedade em que vivemos, a suas características políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais.
A emancipação do sujeito no contexto da sociedade Moderna, auxiliada pela educação, possibilitou desvelar o entendimento da sociedade a partir da ciência e, portanto, conferir maior poder à capacidade de transformação do homem, do sujeito, do indivíduo. Entretanto é preciso refletir acerca da falta de consciência coletiva que emergiu desse período, enfatizando o papel do indivíduo, que, se não se constituir na coletividade, não promove transformação social, apenas aprofunda um individualismo que coloca potência nas engrenagens do capitalismo e aprofunda as desigualdades socioeconômicas.
Reflita
caro(a) aluno(a), após a Modernidade, convencionou-se, historicamente, que estamos na Contemporaneidade ou Pós-Modernidade (1789 até a atualidade). Todavia, há autores, como Bruno Latour, em seu livro “Jamais Fomos Modernos: Ensaio de Antropologia Simétrica”, publicado em 1994, que questionam se um dia já fomos Modernos e nos fazem pensar acerca das contradições da ciência e da sociedade. Será que já fomos Modernos, ou seja, racionalistas que valorizam a ciência como forma de explicação da realidade? Vale a pena a leitura da obra! Livro wp.ufpel.edu.br
Atividades
a educação no contexto da sociedade moderna foi marcada por transformações econômicas, políticas, sociais e culturais, fundamentadas no modo de produção capitalista. Considerando tais transformações, assinale a alternativa que aponta as principais característica da educação na Modernidade.
- A educação na Modernidade foi marcada pela influência da família, que se tornou a principal instituição formadora da época, colocando os valores familiares como eixo principal da educação.
A educação na Modernidade se distanciou da família, aproximando-se do Estado e colocando a ciência como eixo principal da educação.
- A educação no contexto da sociedade moderna, foi marcada pela influência da ciência e do racionalismo, diminuindo a interferência da Igreja e da família e deslocando o ensino-aprendizagem para uma nova instituição: a escola.
A ciência e o racionalismo, a partir da Modernidade, tornaram-se o pilar da educação, tendo a figura da escola como a principal instituição responsável pela formação, diminuindo a influência da Igreja e da família no processo de formação.
- As explicações pautadas em Deus e na fé marcaram a educação no contexto da sociedade moderna, que tinha como principal instituição formadora a Igreja Católica Apostólica Romana.
As explicações pautadas em Deus e na fé tornaram-se menos importantes na educação da sociedade moderna, diminuindo o poder na Igreja no processo de formação educacional e aumentando o papel da ciência.
- A educação na sociedade moderna foi caracterizada pela ênfase na formação da coletividade, colocando o indivíduo autônomo, livre e responsável em segundo plano.
A educação na sociedade moderna foi caracterizada pela ênfase na formação do indivíduo, e não da coletividade.
- Na educação da sociedade moderna, a formação do indivíduo ativo na sociedade (cidadão) foi substituída pela formação do bom cristão, de acordo com os valores da fé.
Na educação da sociedade moderna, a formação do bom cristão foi substituída pela formação do cidadão.
Émile Durkheim e Max Weber: da perspectiva funcionalista à ação social
Nesta seção, discutiremos as contribuições de dois pensadores fundadores da Sociologia: Émile Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920). O objetivo é compreender como a perspectiva funcionalista, de análise da sociedade, elaborada por Émile Durkheim, contribuiu para o entendimento da educação, assim como a perspectiva da ação social, proposta por Max Weber, colaborou com a compreensão da ação educativa.
Durkheim foi influenciado pela corrente filosófica denominada Positivismo e foi precursor dos estudos acerca do suicídio. O Positivismo, corrente filosófica elaborada por Augusto Comte (1798-1857), no contexto da França do início do século XIX, considera que só é conhecimento verdadeiro aquilo que se pode comprovar cientificamente por meio da observação e da empiria, a fim de elaborar leis naturais e gerais que expliquem a sociedade; propõe, também, a neutralidade da ciência, ou seja, a análise da sociedade deve estar completamente desvinculada de posições políticas, valores morais ou visões de mundo. Weber também teria sido influenciado pelo Positivismo, todavia fez críticas a essa escola filosófica, pois acreditava que as ciências sociais deveriam ser analisadas de forma diferente das ciências naturais (observação dos fenômenos visíveis seria insuficiente para compreender a sociedade) e que não há neutralidade científica. Feitas tais considerações iniciais, vamos aos autores.
Émile Durkheim, sociólogo francês e um dos fundadores da Sociologia, produziu várias obras fundamentais nessa área do conhecimento, por exemplo, “Elementos de Sociologia” (1889), “A divisão do trabalho social” (1893), “As regras do método sociológico” (1895), “O suicídio” (1897), “As formas elementares da vida religiosa” (1912), “Educação e sociologia” (1922), “Sociologia e filosofia” (1924), “A educação moral” (1925) e “O socialismo” (1928). Durkheim, no âmbito da Sociologia, atuou em diferentes áreas do conhecimento: antropologia, filosofia, educação e psicologia social. O contexto de vivência de Durkheim foi a Europa do final do século XVIII e início do século XX, marcada pela expansão do capitalismo e pelas revoluções industriais, bem como por movimentos de questionamento do capitalismo, como o movimento operário no contexto europeu e a Revolução Russa.
Na obra “As regras do método sociológico”, Durkheim (1978) propõe uma abordagem sociológica funcionalista, em que cada instituição é responsável por uma função específica na sociedade, de modo que o mal funcionamento de tais instituições pode levar à desordem social. Para Durkheim (1978), por meio da observação, da descrição e da comparação, é possível estudar o funcionamento das instituições sociais, como a escola, a família, a igreja, os partidos políticos, as formas de governo.
A explicação da sociedade, na perspectiva funcionalista, é feita pelos fatos sociais: maneiras de pensar, agir e sentir que exercem determinada força sobre os indivíduos, submetendo-os às regras da sociedade. A análise dos fatos sociais permite compreender as funções e as características das instituições e, também, como tais instituições se relacionam. Durkheim (1978b) faz uma analogia da sociedade com um organismos vivo, ou seja, a sociedade é constituída de órgãos (estruturas) que preenchem funções.
É importante destacar que, para ser um fato social, é preciso ter três características: a) coercitividade - poder de imposição de padrões culturais de uma sociedade para os indivíduos; b) exterioridade - os padrões são exteriores aos indivíduos, ou seja, fazem parte da sociedade, independentemente da sua consciência; c) generalidade - os fatos sociais são coletivos, não existe apenas para um único indivíduo. Assim sendo, a educação, além de ser uma instituição social, também pode ser considerada um fato social, pois pode ser coercitiva (impondo regras e padrões de vivências aos indivíduos desde o nascimento), exterior (faz parte da sociedade em geral) e geral (ela existe na sociedade para além da nossa vontade, da nossa consciência) (DURKHEIM, 1978b).
Na perspectiva funcionalista, portanto, é necessário compreender a função da educação, suas características e sua relação com o Estado. Se a sociedade só pode existir caso seus indivíduos tenham uma homogeneidade suficiente, a educação, para Durkheim, segundo Filloux (2010, p. 15), “[...] perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando, antecipadamente, na alma da criança as alianças fundamentais exigidas pela vida coletiva. Através da educação, o ‘ser individual’ transforma-se em ‘ser social’”. Para Durkheim (1955), a educação é fundamental para a manutenção da coesão social, ou seja, das regras e dos comportamentos que são compartilhados em sociedade. Desde crianças, somos levados a internalizar os fatos sociais exteriores ao indivíduo, como normas sociais, valores, crenças e formas de vivência. De acordo com Durkheim (1978d, p. 36),
É uma ilusão acreditar que podemos educar nossos filhos como queremos. Há costumes com relação aos quais somos obrigados a nos conformar; se os desrespeitarmos, muito gravemente, eles se vingarão em nossos filhos. Estes, uma vez adultos, não estarão em estado de viver no meio de seus contemporâneos, com os quais não encontrarão harmonia.
Na escola, o processo de socialização da criança, portanto, deve propor o aprendizado dos mecanismos de integração (vontade de viver juntos) e de mecanismos de regulação (submissão a normas comuns). Filloux (2010, p. 23), ao ponderar acerca da aprendizagem da criança, aponta que o “[...] necessário controle das pulsões e dos desejos egoístas e antissociais deve ser correlativo a um “ensino do grupo”, visando estimular na criança o sentido da vida coletiva, ao mesmo tempo em que põe o aluno em situação de pessoa criativa”.
Nesse processo de aprendizagem, de acordo com Filloux (2010), precisam ser desenvolvidos três elementos da moralidade: espírito de disciplina (gosto pela regularidade e pela subordinação às regras), vinculação aos grupos (aprender a viver em sociedade) e autonomia da vontade (compreender a necessidade de aderir aos valores e às normas da sociedade).
Reflita
durkheim atribui à educação a função de perpetuar a homogeneidade da sociedade. O que você pensa a respeito dessa afirmação? Você considera que é esse o papel que a educação deve desempenhar? Reproduzir a sociedade tal como ela é? Ou subverter os padrões e as normas? Para ajudá-lo(a) a pensar, leia o texto do Professor Paulo Ghiraldelli, “Educação para a Subversão”, que aponta para o papel da educação na atualidade. institutoautonomia.blogspot.com.br.
De acordo com Filloux (2010, p.17), para compreender a educação em Durkheim, é importante perceber o que ele entende por consciência coletiva: “[...] fenômenos coletivos, que vão do nível propriamente psíquico das representações coletivas ao das instituições e ao de um substrato material (volume e densidade da população, vias de comunicação, edifícios etc.)”. Se a sociedade é constituída de indivíduos que conseguem viver juntos em função dos valores e regras comuns, parte desse trabalho é feita pela escola. Entretanto a educação e a escola, ao mesmo tempo em que possibilitam a reprodução de uma consciência coletiva, também podem produzir pensamentos e conhecimentos que mudem as características de tal consciência. Como esclarece Durkheim (1990, p. 122),
Um sistema escolar, qualquer que seja, é formado por duas espécies de elementos. De um lado, há todo um conjunto de disposições definidas e estáveis, de métodos estabelecidos, ou seja, em uma palavra, de instituições; mas, ao mesmo tempo, dentro da máquina assim constituída, há ideias que a trabalham e que a solicitam para que mude.
Assim, Durkheim (1990) caracteriza a educação como una e múltipla. Una porque objetiva reproduzir a sociedade e múltipla porque existe uma somatória de conhecimentos distintos, que se diferenciam de acordo com a profissão ou a classe social, por exemplo, que pode produzir conhecimentos, valores e normas novos. Para Filloux (2010, p. 30), Durkheim vê na escola “[...] não somente um lugar de “educação”, em particular, de educação “moral”, mas também e, ao mesmo tempo, um lugar de “instrução”, de aquisição de saberes”, como por exemplo, o “[...] sentido que poderia ser dado, na escola primária e na secundária, aos ensinos da literatura, das artes, da matemática e das ciências da natureza”.
Por fim, de acordo com a concepção funcionalista de Durkheim, é necessário pensar a relação da educação com o Estado. Se a educação tem uma função social, o Estado, portanto, deve interessar-se por ela, visto que o Estado cuida e fiscaliza a coesão das instituições sociais e de suas funções. Como destaca Filloux (2010, p. 58), a função do Estado é “[...] proteger esses princípios essenciais, fazê-los ensinar em suas escolas, velar por que não fiquem ignorados pelas crianças de parte alguma, zelar pelo respeito que lhes devemos”. O vínculo entre a educação e o Estado é a escola, em que é exercido o controle dos indivíduos para a convivência em sociedade.
Perceba, caro(a) aluno(a), que, se o funcionalismo é uma abordagem de análise da sociedade que admite que cada instituição tem uma função, diretamente relacionada com os fatos sociais, e que tem características de exterioridade, coercitividade e generalidade, a educação é, dentro dessa perspectiva funcionalista, uma das instituições com a função de manter a sociedade homogênea, ou seja, de reproduzi-la, sobretudo no contexto da escola (naquelas mantidas pelo Estado e, também, nas mantidas pelo setor privado). Em resumo, na perspectiva funcionalista, a educação deve socializar os indivíduos a partir de regras comuns, a fim de possibilitar a vivência em sociedade. Todavia a educação também se caracteriza por possibilitar a produção de novos valores e normas.
Contemporâneo de Émile Durkheim, o sociólogo e economista alemão Max Weber (1864-1920), também um dos fundadores da Sociologia, produziu obras que contribuem com o pensamento político, econômico, histórico, filosófico e ético. Weber propõe uma abordagem da sociedade a partir da análise da atuação do indivíduo, ou seja, da ação social, e não das estruturas e dos fatos sociais, como preconizou Émile Durkheim.
A ação social, para Weber, é qualquer ação realizada por um sujeito, em um meio social, que tenha um sentido determinado. Em outras palavras, a ação social ocorre quando o indivíduo tem uma expectativa de que determinada ação sua provoque uma reação determinada do outro. Weber dividiu a ação social em quatro tipos principais: ação racional com respeito aos fins, ação racional com respeito aos valores, ação afetiva e ação tradicional. Vamos explorá-las.
De acordo com Weber (1994), a ação social racional com respeito aos fins é aquela em que o indivíduo tem um propósito que direciona sua ação. Esse propósito tem caráter racional e leva em consideração os meios para realizá-lo. Por exemplo, ações que objetivam concluir uma disciplina ou um curso de graduação podem ser ações racionais com respeito aos fins.
A ação social racional com respeito aos valores, segundo Weber (1994), se refere àquela em que a atuação do indivíduo na sociedade é orientada por valor ético ou religioso, sem fins materiais. O indivíduo se orienta de acordo com valores e convicções pessoais. A participação em cultos religiosos, por exemplo, é uma ação racional com respeito aos valores.
A ação social afetiva é aquela realizada com base nas emoções do indivíduo, em que o objetivo é revelar sentimentos pessoais, sem levar em consideração os meios para realizá-la. A ação de um indivíduo que está apaixonado ou com ódio é um exemplo de ação afetiva (WEBER, 1994). A ação social tradicional, conforme Weber (1994), é aquela em que o indivíduo é motivado pelo passado, ou seja, norteado por tradições, costumes e padrões historicamente constituídos, por exemplo, no caso do Brasil, eventos comemorativos, como festa junina, desfile da independência, carnaval, dentre outros. Tanto a ação social afetiva como a ação social tradicional são consideradas irracionais, pois a primeira envolve o estado emocional, e a segunda envolve pouca reflexão a respeito dos fins e dos meios, sendo mais uma ação habitual e mecânica.
Assim, a perspectiva da ação social de Weber é uma forma de compreender a sociedade a partir das ações dos indivíduos. Weber também propõe tipos ideais de educação - carismática, especializada e humanística -, lembrando de que os conceitos elaborados pelos sociólogos são apenas construções teóricas que organizam a realidade social de maneira ideal.
A educação carismática, segundo Weber (1991, p. 482), é aquela em que os educadores “[...] simplesmente desejavam despertar e testar uma capacidade considerada como um dom de graça exclusivamente pessoal, pois não se pode ensinar nem preparar um carisma”. A educação carismática é baseada na crença em um líder que se acredita ter poderes sobrenaturais.
A educação especializada é, de acordo com Weber (1991, p. 482), baseada nas “tentativas especializadas de treinar o aluno para finalidades úteis à administração – na organização das autoridades públicas, escritórios, oficinas, laboratórios industriais, exércitos disciplinados”. Trata-se de uma educação de caráter racional que objetiva burocratizar a sociedade.
Conforme Weber (1991, p. 483), a educação humanística é compreendida como a “[...] pedagogia do cultivo, finalmente procura educar um tipo de homem, cuja natureza depende do ideal de cultura da respectiva camada decisiva. E isto significa educar um homem para certo comportamento interior e exterior”. Cada sociedade tem suas características culturais que influenciarão o tipo de educação humanística a ser cultivada entre os indivíduos.
Em síntese, os tipos de educação apontados por Weber (1991) estão relacionados, direta e indiretamente, com as ações sociais, pois a educação, seja ela carismática, especializada ou humanística, pode se constituir em ações sociais (racional com respeito aos fins, racional com respeito aos valores, afetiva e tradicional), que dão forma à sociedade tal como ela é. É a ação social dos indivíduos que constrói a sociedade e, portanto, a educação tem um papel fundamental. É fundamental, prezado(a) aluno(a), compreender que tanto Émile Durkheim quanto Max Weber contribuíram, cada um a sua maneira, para pensar como a sociedade é constituída e qual o papel da educação nesse cenário.
Fique por dentro
dentre os mais de 40 livros de Max Weber, destaca-se “A Ética protestante e o espírito do capitalismo”, sua obra mais conhecida e lida, publicada originalmente em 1934. Nesse livro, Weber discute a relação entre as doutrinas religiosas de crença protestante com o capitalismo. Trata-se de uma reflexão acerca do desenvolvimento do capitalismo nos países com predomínio da religião protestante, um debate interessante para compreender os vínculos entre religião, cultura e economia.
Atividades
émile Durkheim elaborou a abordagem funcionalista para análise da sociedade. Nessa abordagem, a educação é um dos fatos sociais que contribuem com o funcionamento da sociedade. Assim, assinale a alternativa que corresponde à função da educação na perspectiva funcionalista de Durkheim.
- Na perspectiva funcionalista, em que cada instituição social tem uma função de acordo com determinadas necessidades, a educação tem a função de promover valores heterogêneos e questionar a sociedade, propondo uma nova organização social.
Na perspectiva funcionalista, a função da educação é conservar a sociedade e manter valores homogêneos.
- Cada sociedade estabelece um certo ideal de homem, ou seja, o que ele deve ser no âmbito intelectual, físico e moral, e esse ideal orienta a educação, que tem a função de manter a homogeneidade e a coesão da sociedade, atuando na vida das crianças desde cedo, na família e na escola.
A educação forma crianças e adultos para a vivência em sociedade, de modo a perpetuar e a manter a homogeneidade social necessária.
- A educação na perspectiva funcionalista, para a transmissão dos valores, normas e saberes da sociedade, ocorre apenas na vida adulta e somente no contexto da família, inexistindo na instituição escolar.
A educação ocorre desde o nascimento até a vida adulta e acontece no contexto da família e da escola.
- A educação é igual em todas as sociedade, não sofrendo mudanças, pois sua função, em qualquer sociedade, é sempre a mesma: manter a homogeneidade e a coesão da sociedade, atuando na vida das crianças desde cedo apenas no contexto da família.
As sociedades mudam, evoluem, e os sistemas de educação institucionalizados mudam com elas, pois reproduzem suas novas necessidades.
- Para Durkheim, a função da educação é possibilitar que as gerações adultas influenciem as crianças a modificarem os valores da sociedade, tendo a Igreja como principal local de produção de conhecimento.
As gerações adultas devem influenciar as crianças a perpetuarem os valores da sociedade, tendo a escola como principal local de produção do conhecimento.
Theodor Adorno, Max Horkheimer, Louis Althusser e Pierre Bourdieu: da perspectiva crítica ao crítico-reprodutivismo
Aluno(a), nesta seção, discutiremos as contribuições de quatro importantes pensadores da sociologia para a educação: Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-1973), Louis Althusser (1918-1990) e Pierre Bourdieu (1930-2002). As contribuições de Adorno e Horkheimer para a educação estão relacionadas com a teoria crítica, e as de Althusser e Bourdieu, com a teoria reprodutivista. Todos contribuíram com a análise da educação, da escola e da universidade no contexto da sociedade contemporânea, possibilitando pensar os limites e as possibilidades da prática educativa.
É importante ter em mente que, diferentemente de Émile Durkheim e Max Weber, influenciados em diferente medida pelo Positivismo, Adorno, Horkheimer, Althusser e Bourdieu foram influenciados pela corrente filosófica denominada marxismo, que foi elaborada por Karl Marx (1818-1883) no contexto da Alemanha do século XIX. O método do marxismo é o materialismo histórico-dialético, que propõe uma análise da sociedade considerando-a uma realidade objetiva, que existe fora da nossa mente, como uma construção histórica, por isso não pode ser analisada apenas pela observação e empiria, pois há elementos que não são observáveis (como os históricos) e que determinam o presente, como uma totalidade em que a soma das partes é mais completa que o todo. Na teoria marxista, não há neutralidade científica, pois o pesquisador sempre será influenciado pela sua visão de mundo. Feitas tais considerações iniciais, vamos estudar os autores e suas concepções de sociedade e educação!
Theodor Adorno e Max Horkheimer fizeram parte da chamada Escola de Frankfurt, uma escola de filosofia e teoria social, composta por inúmeros intelectuais, associada à Universidade de Frankfurt na Alemanha. A Escola de Frankfurt era constituída, sobretudo, por intelectuais que acreditavam que a filosofia de Karl Marx era fundamental, porém insuficiente para explicar a sociedade capitalista do século XX e, portanto, propuseram teorias alternativas que buscaram explicar a sociedade e indicar outros caminhos.
A teoria crítica produzida pela Escola de Frankfurt, e, então, por Adorno e Horkheimer, significa um conjunto de posições teórico-filosóficas que objetiva investigar e analisar as relações sociais a partir das contribuições do marxismo, mas avançando essa corrente filosófica, a fim de desvendar as características da sociedade burguesa industrial do século XX e apontar ações que possam intervir na ordem social e modificá-la para o bem-estar da maioria da população. Destacam-se duas obras importantes dos autores: Horkheimer, filósofo alemão, escreveu a obra “Teoria Tradicional e Teoria Crítica” em 1937; junto com Adorno, escreveu “Dialética do Esclarecimento”, em 1944. Nessas obras, foram desenvolvidas as bases da teoria crítica, o conceito de indústria cultural e o papel da educação nesse cenário.
Ao analisar a sociedade do século XX, diante das guerras, do nazismo, do fascismo e do aprofundamentos das desigualdades sociais e econômicas entre os países, Adorno e Horkheimer (1985, p. 11) consideraram que “[...] a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie”. Diante desse cenário, para Adorno e Horkheimer (1985), fazia-se necessário pensar criticamente, ou seja, compreender por que a humanidade está caminhando para a barbárie (crueldade e desumanidade). O capitalismo, pautado pelo lucro, em que alguém sempre ganhará e o outro sempre perderá, é o fundamento da sociedade cada vez mais desumana. De acordo com Horkheimer (1939, p. 21),
[...] a sociedade burguesa se transformou num sistema totalitário que se estabilizou por causa do medo dos oprimidos. Esse sistema segue as leis da economia de mercado e é sustentado pela burocracia que é quem decide sobre a vida e sobre a morte dos homens. Ela extermina muitos deles – os judeus, os homossexuais e os que pensam diferente dela.
Na teoria crítica, a análise da sociedade pautada no materialismo histórico-dialético, deve apontar as contradições da realidade, ou seja, a existência de forças antagônicas que sustentam o funcionamento do capitalismo, por exemplo, a existência da extrema riqueza para poucas pessoas e a existência da extrema pobreza para muitas pessoas. As contradições movem as engrenagens do capitalismo e, de acordo com a teoria crítica, além de apontá-las, é necessário mostrar caminhos, formas de superação desse cenário de desumanidade.
Fique por dentro
para pensar acerca do funcionamento do capitalismo, o geógrafo David Harvey narra, nesta pequena animação, as crises do capitalismo e as possibilidades de construção coletiva de uma nova sociedade justa, responsável e humana. Assista a animação e reflita a respeito da influência do capitalismo em nossas vidas. www.youtube.com.
O conceito de “indústria cultural”, elaborado por Adorno e Horkheimer (1985), significa a exploração sistemática dos bens culturais, em que tudo é negociável, tudo é mercadoria. Na sociedade capitalista industrial, a cultura é apropriada para criar mais lucro. Por exemplo, o cinema, a arte e, inclusive, a educação são apropriados pela sociedade capitalista a fim de manipular os indivíduos. A indústria cultural do capitalismo não cria apenas objetos para comprarmos, mas cria a necessidade de comprarmos aquilo de que não precisamos. O intuito da indústria cultural é reproduzir os interesses da classe dominante, ou seja, manter a sociedade tal como ela é, em que uma minoria rica domina uma maioria pobre. A arte e a cultura, ao invés de fazerem os indivíduos pensarem, tornaram-se um instrumento de dominação ideológica, ou seja, algo que torna o indivíduo incapaz de pensar autonomamente. O indivíduo reproduz aquilo que querem que ele pense, é uma comunicação para as massas que se utilizou no início do século XX, principalmente a televisão e o rádio como difusores das ideologias (discurso que mascara a realidade). Para os autores,
A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que até mesmo os distraídos vão consumi-los abertamente. Cada qual é um modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se assemelha ao trabalho. É possível depreender de qualquer filme sonoro, de qualquer emissão de rádio, o impacto que não se poderia atribuir a nenhum deles isoladamente, mas só a todos em conjunto na sociedade. Inevitavelmente, cada manifestação da indústria cultural reproduz as pessoas tais como as modelou a indústria em seu todo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 60).
Assim, diante desse contexto de análise de Adorno e Horkheimer, a educação pode ser vista como aquela que pode, ao mesmo tempo, aprofundar a alienação realizada pela indústria cultural e subverter essa alienação. Adorno e Horkheimer propõem uma formação crítica e emancipatória, que possa libertar os indivíduos da dominação da indústria cultural, que abortou o pensamento da sociedade. De acordo com Adorno (2005, p. 144), “a educação por meio da família, na medida em que é consciente, por meio da escola, da universidade teria neste momento de conformismo onipresente muito mais a tarefa de fortalecer a resistência do que de fortalecer a adaptação”.
É importante frisar, caro(a) aluno(a), que, embora a educação necessite formar os indivíduos para o mundo, a teoria crítica propõe que ela também tem a função de promover conscientização e resistência, e não adaptação à sociedade desigual e desumana. O intuito educacional de Adorno e Horkheimer é formar indivíduos emancipados, ou seja, livres, autônomos e guiados pela razão e pela reflexão, a fim de construir uma sociedade mais justa.
Buscaram também uma visão crítica da sociedade e da educação outros dois pensadores, Louis Althusser e Pierre Bourdieu, que produziram obras de grande importante para a sociologia da educação, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Ambos, filósofos e sociólogos franceses, se distinguiram pela produção de teorias denominadas crítico-reprodutivistas, que consideram que a educação e a escola, ao invés de promoverem transformações na sociedade e contribuírem com a democratização e a conquista de direitos, perpetuam as desigualdades sociais por meio de repressão e discriminação (ARANHA, 2006).
A denominação crítico-reprodutivista justifica-se pelo fato de a teoria apontar para as contradições sociais que envolvem a educação, por isso é crítica, e por considerar a relação de dependência que a educação hegemônica (aquela que predomina) tem com o funcionamento da sociedade, por isso é reprodutiva (ARANHA, 2006). Para autores como Althusser e Bourdieu, a escola não é uma ilha desagregada da sociedade, mas sim um instrumento de manutenção da sociedade.
Para Bourdieu (2010), a escola e a educação exercem uma “violência simbólica”, ou seja, utilizam formas de coerção (sem ameaça física) para que os indivíduos reproduzam os padrões e as normas da sociedade. Como esclarece Aranha (2006, p. 188), a violência simbólica “[...] é exercida pelo poder de imposição das ideias transmitidas por meios de comunicação cultural, da doutrinação política e religiosa, das práticas esportivas, da educação escolar”.
A arte, a religião, a língua, a educação são, para Bourdieu (2010), sistemas simbólicos, ou seja, instrumentos de conhecimento e educação que exercer um poder. Como analisa o autor, “o poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica: o sentido imediato do mundo (e, em particular, do mundo social)” (BOURDIEU, 2010, p. 9). O mundo social a que Bourdieu (2010) se refere é o mundo capitalista globalizado do século XX, uma sociedade guiada pela expansão e pelo aprofundamento da produção econômica, que, ao invés de reduzir as desigualdades sociais, as amplia, produzindo miséria, doenças, degradação ambiental, guerras etc.
Uma pergunta importante é: como o capitalismo se mantém? Como um sistema que é baseado na exploração dos indivíduos continua operando? Uma das respostas é: porque o sistema capitalista nos faz acreditar que ele é a melhor forma de vivermos em sociedade. Como aponta Bourdieu (2010), por meio dos sistemas simbólicos, o capitalismo faz os indivíduos acreditarem que o sucesso, a ascensão social e a econômica dependem, exclusivamente, do indivíduo, da sua dedicação e do seu esforço. Esses sistemas simbólicos que atuam cotidianamente na nossa consciência não nos mostram que, embora o esforço individual seja fundamental para nossa vida em sociedade, ele não é suficiente. Há uma série de condições sociais que limitam a vida dos indivíduos, e isso independe de sua vontade.
Por exemplo, sujeitos de uma classe econômica baixa que queiram estudar Medicina ou Odontologia dificilmente conseguirão esse feito, pois é necessário frequentar escolas de ótima qualidade (públicas ou privadas), fazer cursinho pré-vestibular (privado e pago), ter dinheiro para financiar o curso em uma instituição de educação superior privada, ou não trabalhar para poder cursar o curso em instituição pública em tempo integral. Quantos brasileiros que vivem na pobreza poderão pagar por tudo isso? Quantos brasileiros que vivem na pobreza conseguirão ser aprovados em vestibulares de instituições públicas extremamente concorridos? Quantos poderão deixar de trabalhar para se dedicarem integralmente aos estudos?
A teoria crítico-reprodutivista tenta evidenciar tais problemas, fazendo-nos compreender que há um sistema socioeconômico que determina, direta e indiretamente, nossa vida e nos faz acreditar que há condição digna de sobrevivência para todos; ao analisar a sociedade, é possível perceber que, para haver pessoas bem-sucedidas ganhando milhões e bilhões de reais, é obrigatoriamente necessário haver pessoas pobres sendo exploradas. Outro exemplo para você, aluno(a), pensar: para que jogadores de futebol como Neymar Jr. e Lionel Messi ganhem, mensalmente, aproximadamente R$ 9 milhões, o(a) professor(a) da educação básica no Brasil precisa ter um piso salarial nacional (2017) de R$2.298,80. É importante esclarecer que o jogador Neymar Jr., por exemplo, tem muito mérito no que faz, mas é justo os valores astronômicos que esses indivíduos recebem? Pensem. Esses jogadores merecem mais ter uma vida digna do que os(as) professores(as) da educação infantil? Pensem.
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Continuando com a reflexão, para que os empresários da Organização Odebrecht e da JBS-Friboi faturem milhões de reais no Brasil, os funcionários de tais empresas precisam ganhar salários baixos e trabalhar em condições degradantes. A sociedade capitalista funciona pela exploração de indivíduos. Como esclarece Aranha (2006, p. 189), de acordo com Bourdieu,
[...] a escola constitui um instrumento de violência simbólica porque reproduz os privilégios existentes na sociedade, beneficiando os já socialmente favorecidos. O acesso a educação, o sucesso escolar, a possibilidade de escolaridade prolongada até a universidade estão reservados àqueles cujas famílias pertencem a classe dominante, ou seja, aos herdeiros de sistemas privilegiados. Não cabe a escola promover a democratização e possibilitar a ascensão social; ao contrário, ela reafirma os privilégios existentes.
Para Bourdieu (2010), a justificativa de que os bons alunos são aqueles inteligentes por natureza, que têm dote, aptidão e mérito pessoal, oculta as causas do insucesso escolar. O discurso do mérito dissimula a imposição da violência simbólica da classe dominante sobre a dominada. Conforme Bourdieu e Passeron (1992, p. 215), “o sistema de ensino tende objetivamente a produzir, pela dissimulação da verdade objetiva de seu funcionamento, a justificação ideológica da ordem que ele produz pelo seu funcionamento”.
Althusser (1980), assim como Bourdieu (2010), considera que a escola e a educação devem ser analisadas no contexto da sociedade capitalista, ou seja, não podem ser compreendidas de maneira isolada. De acordo com Althusser, a escola é um “aparelho ideológico do Estado” que ensina, além dos saberes práticos, a submissão à ideologia dominante. É importante esclarecer o que se compreende por ideologia. Segundo Chauí (2008, p. 73), a ideologia é “[...] um fenômeno objetivo e subjetivo produzido pelas condições objetivas da existência social do indivíduo”. Na sociedade contemporânea, temos a ideologia burguesa, ou seja, o conjunto de ideias que é criado para mascarar as condições reais do capitalismo, para, por exemplo, fazer com que os indivíduos acreditem que a desigualdade social é algo natural, mas que os homens são iguais perante a lei e o Estado, quando, na verdade, as leis e o Estado foram criados pela classe dominante. Para Althusser (1970, p. 82),
[...] toda a ideologia representa, na sua deformação necessariamente imaginária, não as relações de produção existentes (e as outras relações que delas derivam), mas, antes de tudo, a relação (imaginária) dos indivíduos com as relações de produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia, o que é representado não é o sistema das relações reais que governam a existência dos indivíduos, mas a relação imaginária destes indivíduos com as relações reais que vivem.
De acordo com Aranha (2006), é necessário esclarecer que a sociedade é composta por dois níveis: a infraestrutura - a base econômica, ou seja, a forma como os indivíduos produzem as mercadorias que possibilitam a vida - e a superestrutura - as instituições jurídico-políticas e ideológicas que foram criadas para organizar as relações entre os homens, por exemplo, o Estado e a escola. O Estado, conforme teorizou Althusser (1980, p. 31), é
[...] uma ‘máquina de repressão’ que permite às classes dominantes (no século XIX à classe burguesa e a ‘classe’ dos proprietários de terras) assegurar a sua dominação sobre a classe operária para submetê-la ao processo de extorsão da mais-valia (quer dizer, à exploração capitalista).
Portanto, ser um aparelho ideológico do Estado significa atuar pela perpetuação da ideologia burguesa. A família, a cultura, a igreja e a escola são, para Althusser (1970), aparelhos ideológicos do Estado, pois favorecem a manutenção das relações de exploração do capitalismo. Destacando a escola, Althusser (1970, p. 66) afirma que “[...] nenhum Aparelho Ideológico de Estado dispõe durante tanto tempo de audiência obrigatória (e, ainda mais, gratuita), 5 a 6 dias em 7 que tem a semana, à razão de 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista”. O autor acrescenta:
Ora, o que se aprende na Escola? Vai-se mais ou menos longe nos estudos, mas de qualquer maneira, aprende-se a ler, a escrever, a contar, - portanto algumas técnicas, e ainda muito mais coisas, inclusive elementos (que podem ser rudimentares ou pelo contrário aprofundados) de ‘cultura científica’ ou ‘literária’ directamente utilizáveis nos diferentes lugares da produção (uma instrução para os operários, outra para os técnicos, uma terceira para os engenheiros, uma outra para os quadros superiores, etc.). Aprende-se portanto ‘saberes práticos’ (des ‘savoirs - faire’). Mas, por outro lado, e ao mesmo tempo que ensina estas técnicas e estes conhecimentos, a Escola ensina também as ‘regras’ dos bons costumes, isto é, o comportamento que todo o agente da divisão do trabalho deve observar, segundo o lugar que está destinado a ocupar: regras da moral, da consciência cívica e profissional, o que significa exactamente regras de respeito pela divisão social técnica do trabalho, pelas regras da ordem estabelecida pela dominação de classe. Ensina também a ‘bem falar’, a ‘redigir bem’, o que significa exactamente (para os futuros capitalistas e para os seus servidores) a ‘mandar bem’, isto é, (solução ideal) a ‘falar bem’ aos operários, etc. .(ALTHUSSER, 1970, p. 21)
Em síntese, de acordo com Althusser (1970), a escola te a finalidade de reproduzir as relações de produção e de exploração da sociedade capitalista. Por meio da reprodução da ideologia burguesa, a escola possibilita a manutenção de um modo de produção e impede a expressão dos anseios da classe dominada. Althusser (1970) destaca, todavia, que o papel do professor nesse cenário é de um quase herói, que precisa lutar para tentar subverter o esquema ideológico que está posto.
Esta seção, que abordou o pensamento de Theodor Adorno, Max Horkheimer, Pierre Bourdieu e Louis Althusser, objetivou apontar os principais aspectos de suas teorias, crítica e crítico-reprodutivista, a fim de compreender as relações com as características e com as finalidades da educação e da escola. É fundamental frisar que, na ciência, não existe explicação melhor ou pior acerca da sociedade ou da educação, existem teorias que possibilitam explicações diferentes, o que enriquece o pensamento científico e a nossa capacidade de entendimento do mundo.
Atividades
com base no que foi discutido acerca da perspectiva reprodutivista de Louis Althusser e Pierre Bourdieu, assinale a alternativa que apresenta, de maneira correta, o pensamento principal dos autores com relação à educação.
- De acordo com Louis Althusser, a educação e a escola exercem uma violência simbólica nos indivíduos; segundo Pierre Bourdieu, a educação é um aparelho ideológico do Estado.
Para Althusser, a educação e a escola são aparelhos ideológicos, porque propiciam a perpetuação da sociedade capitalista. Para Bourdieu, a educação exerce violência simbólica, porque reproduz os privilégios das classes dominantes.
- De acordo com Louis Althusser, a educação e a escola são aparelhos ideológicos do Estado; segundo Pierre Bourdieu, a educação exerce uma violência simbólica nos indivíduos.
Para Althusser, a educação e a escola são aparelhos ideológicos, porque propiciam a perpetuação da sociedade capitalista. Para Bourdieu, a educação exerce violência simbólica, porque reproduz os privilégios das classes dominantes.
- Para Pierre Bourdieu, a educação faz parte da indústria cultural do capitalismo; de acordo com Louis Althusser, a educação é um tipo de violência simbólica que serve para a manutenção do capitalismo.
Bourdieu não teorizou a indústria cultural, mas sim Max Horkheimer e Theodor Adorno. Althusser não teorizou a violência simbólica, mas sim os aparelhos ideológicos do Estado.
- Para Louis Althusser, a educação é um dos mecanismo da indústria cultural do capitalismo que objetiva reproduzir as relações de exploração; segundo Pierre Bourdieu, a escola é um dos aparelhos ideológicos do Estado destinado a mascarar as relações de produção da sociedade.
Althusser não teorizou a indústria cultural, mas sim Max Horkheimer e Theodor Adorno. Bourdieu teorizou a educação que exerce violência simbólica, porque reproduz os privilégios das classes dominantes; quem tratou dos aparelhos ideológicos do Estado foi Althusser.
- Para Pierre Bourdieu, a educação é uma ação social destinada a produzir mão de obra para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária; segundo Louis Althusser, a escola é um aparelho ideológico do Estado, porque propicia a perpetuação da sociedade capitalista.
Embora a afirmação acerca de Althusser esteja correta, a afirmação a respeito de Bourdieu está errada, pois, para o autor, a educação pode exercer uma violência simbólica, por reproduzir os privilégios da classe dominante. Bourdieu não fala da ação social, mas sim Max Weber.
Educação pública e privada: elementos para um debate
A discussão a respeito da educação pública e privada no Brasil não é recente, pois sempre esteve em pauta o papel do Estado e do mercado na oferta dos diferentes níveis e modalidades da educação. Então, aluno(a), vamos refletir acerca das perguntas a seguir: de quem é a responsabilidade e a obrigatoriedade pela oferta da educação para a população: do Estado, do mercado ou de ambos? De quem é a obrigação de oferecer educação gratuita para a população? Qual parte da população tem condições de pagar pela educação privada? Tanto o Estado quanto o mercado podem oferecer educação de qualidade? O mercado recebe financiamento do Estado para oferecer educação privada? Tentaremos responder a tais perguntas ao longo do texto.
É importante esclarecer o que se compreende por educação pública e privada. No Brasil, a educação pública é aquela de responsabilidade do Estado, que é oferecida de maneira gratuita nos diferentes níveis (ensino infantil, fundamental, médio e superior) e modalidades (profissional, especial, educação a distância, indígena, educação de jovens e adultos e educação do campo), sem finalidade lucrativa. De acordo com o artigo 205 da Constituição Federal de 1988, “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. No inciso quarto do artigo 206, em que são estabelecidos os princípios do ensino, lê-se: “gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”. Todavia, para chegar a esses direitos, foi percorrido um longo caminho de disputas políticas.
Entende-se por educação privada aquela oferecida pelo mercado, ou seja, pela iniciativa privada, que, na maioria das vezes, tem finalidade lucrativa, exceto instituições sem fins lucrativos (comunitárias, confessionais e filantrópicas) .
Para compreender a trajetória da educação pública e privada, precisamos recorrer à história da política educacional do Brasil, nos período da Colônia (1500-1815), Império (1822-1889) e mesmo na primeira República (1889-1964), perceberemos que o acesso à educação sempre foi prioridade para a população que tinha dinheiro e podia pagar por ela, seja em estabelecimentos no Brasil ou em outros países, como parte da elite brasileira sempre fez e ainda faz (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2007). Somente em 1932, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, é que se criou um debate amplo no Brasil, buscando uma educação pública, gratuita e de qualidade, que fosse acessível para a população em sua totalidade, e não apenas para as classes mais ricas (VIEIRA; FARIAS, 2007).
A partir desse período, começou a crescer no Brasil o debate e a luta por uma concepção de educação como bem público, que deve estar disponível para todos os cidadãos, independente da classe econômica, da cor ou do gênero, e que deve ser garantida pelo Estado. A luta é para que todos tenham o direito de estudar, e esse direito deve ser garantido pelo Estado (conjunto de instituições que organiza a sociedade e deve retornar para o povo os impostos pagos em forma de educação, por exemplo) de maneira gratuita, pois, se o objetivo é construir um país que tenha desenvolvimento social, cultural, político, econômico e ambiental, a educação é fundamental. Assim, a partir da Constituição Federal de 1934, a educação começou a ter maior relevância por parte do Estado, iniciando um longo caminho de disputas entre a sociedade e os governantes, a fim de conquistar direitos que permitam ao povo uma sobrevivência digna (VIEIRA; FARIAS, 2007).
Destaca-se que, no Brasil República (1889-1964), interrompido pela Ditadura Militar, mesmo havendo avanços com relação à discussão acerca da educação pública, o Estado propôs uma divisão injusta da educação, em que a educação destinada à população mais pobre era focada, sobretudo, na formação de mão de obra braçal, e a população mais rica, que podia financiar os melhores colégios, tinham acesso à formação chamada propedêutica, uma formação profissional e cultural mais ampla, vinculada às áreas de medicina, odontologia, direito, engenharia etc. Os esforços do Estado nesse período foram insuficientes para propiciar escola de qualidade para todos, resolver o problema do grande analfabetismo que atingia e ainda atinge a população e as altas taxas de exclusão escolar (VIEIRA; FARIAS, 2007).
Entre 1964-1985, período da Ditadura Militar, o país sofreu com o autoritarismo, a repressão, a censura e os assassinatos daqueles que discordavam da política empreendida pelos governos dessa época. A educação permaneceu marcada pela distinção entre as classes pobres e as ricas, em que os pobres eram direcionados para o ensino técnico, a fim de formar mão de obra para as indústrias, por exemplo, e a classe mais rica, a elite financeira, era formada para pensar e comandar o trabalho das classes mais pobres. Nesse período, os governos da Ditadura Militar também propiciaram abertura e incentivo maiores para o mercado, ou seja, para a iniciativa privada, para que o mercado pudesse oferecer educação nos diferentes níveis e modalidades, promovendo incentivos financeiros para o setor empresarial (FÁVERO, 2005).
Com o processo de redemocratização, a retomada da República e o fim da ditadura militar, a partir de 1985, o Brasil iniciou um novo momento em sua história, as discussões a respeito da nova Constituição, promulgada em 1988, possibilitaram avanços no processo de direito de educação de qualidade para todos e a definição de limites mais claros entre a educação pública e privada. Como já mencionado no início do texto, a Constituição de 1988 estabeleceu que a educação é dever do Estado e da família e será incentivada com a colaboração da sociedade. Assim, é possível que a população pobre também tenha acesso à educação básica e superior de qualidade, que não é um serviço, mas um direito de todo cidadão, o direito de se educar continuamente a partir da garantia do Estado.
Com relação à educação privada, a Constituição de 1988 estabeleceu, no artigo 209, que “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação da qualidade pelo Poder Público”. Ou seja, é garantido por lei o direito do setor privado oferecer educação paga, seja na educação básica, superior, técnica ou outras modalidades, como tem ocorrido de forma cada vez maior no Brasil, principalmente no âmbito da educação superior (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2007).
Dessa maneira, caro(a) aluno(a), é importante que você compreenda que a legislação do Brasil estabeleceu que o Estado tem o dever de fornecer educação pública e de qualidade para todos, e que a iniciativa privada, ou seja, pessoas e empresas que possuam capital de investimento, podem ofertar educação privada, desde que sigam a legislação. Portanto, a responsabilidade e a obrigatoriedade de oferecer educação para todos é do Estado, pois reconhece a educação como um direito de todos, inclusive daqueles que não podem pagar por ela, até porque todo cidadão paga por educação pública por meio dos inúmeros impostos pagos no Brasil, como: Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações– IPIexp, Desoneração das Exportações (LC nº 87/96), Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD, Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA e Imposto Territorial Rural-ITR). O mercado não tem a obrigatoriedade de oferecer educação gratuita para todos, ele o faz porque reconhece a educação como um serviço passível de lucratividade. A convivência da educação pública e da educação privada é, assim, garantida pela legislação do Brasil.
Com relação à qualidade da educação, há um mito na educação básica de que as escolas públicas seriam de baixa qualidade e as escolas privadas de alta qualidade. Todavia há escolas de boa e má qualidade tanto no setor público quanto no privado. Uma questão interessante a ser observada é que a maior responsabilidade de formação da educação básica é do Estado, visto que as escolas públicas são a grande maioria no Brasil, como pode ser observado no gráfico a seguir, que mostra a divisão da educação básica no Brasil quanto ao público e ao privado.
312 Percentual de escolas de educação básica por dependência administrativa - Brasil, 2016 Fonte: Censo Escolar - INEP (2017 - on-line).
É importante ter em mente que o número de escolas da educação básica pública no Brasil (municipal, estadual e federal) corresponde a 78,5% do total, referente, portanto, a 146 mil estabelecimentos; a educação básica privada, por sua vez, corresponde a 21,5%, ou seja, a 40 mil estabelecimentos escolares (INEP, 2017). Somado a esses dados, é necessário pensar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2015. O IDEB mede a qualidade da educação básica em uma escala de 0-10. Na tabela a seguir, é possível observar o IDEB dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio nas escolas de educação pública e privada.
IDEB ANOS INICIAIS – ENSINO FUNDAMENTAL (2015)
|
TOTAL
|
5.5
|
PÚBLICO
|
5.3
|
PRIVADO
|
6.8
|
IDEB ANOS FINAIS – ENSINO FUNDAMENTAL (2015)
|
TOTAL
|
4.5
|
PÚBLICO
|
4.2
|
PRIVADO
|
6.1
|
IDEB ENSINO MÉDIO (2015)
|
TOTAL
|
3.7
|
PÚBLICO
|
3.5
|
PRIVADO
|
5.3
|
312 IDEB das Escolas públicas e privadas do Brasil Fonte: adaptada de IDEB (2015 - on-line).
Note que a diferença do IDEB entre a educação pública e a privada não é tão grande, sobretudo, considerando que a escala do índice é de 0-10. Assim, ao contrário do que está no imaginário da população, a distância entre a educação básica pública e a privada não é tão grande quanto é veiculado pela mídia, como mostraram os dados. Diante dos dados, é importante observar que não é apenas a educação pública do Brasil que precisa melhorar mas também a privada. Outro dado importante é o número de alunos matriculados na educação básica, mostrando, uma vez mais, a necessidade do papel do Estado, pois a educação pública atende 81,6% dos alunos do país, como mostra a tabela a seguir.
Regime Jurídico
|
Esfera de administração
|
Alunos matriculados
|
Porcentagem
|
Público
|
Municipal
|
22,83 milhões
|
46,8%
|
Estadual
|
16,59 milhões
|
34%
|
Federal
|
488 mil
|
1%
|
Privado
|
-
|
8,97 milhões
|
18,4%
|
TOTAL
|
-
|
48,8 milhões
|
100%
|
322 Número de matrícula na educação básica - público e privado Fonte: adaptada de Censo Escolar - INEP (2017 - on-line).
Observa-se, novamente, que é necessário ponderar que tanto a educação superior pública quanto a privada precisam melhorar sua qualidade no Brasil. No caso da educação privada, é preciso fazer uma crítica a respeito do ensino voltado completamente para o vestibular. Outro fator interessante é que muitas escolas privadas têm alto desempenho no IDEB e no ENEM, porque têm turmas com um número muito pequeno de alunos, assim, conseguem garantir um padrão de qualidade muito alto, ao contrário das escolas públicas, que têm turmas abarrotadas de alunos e uma dificuldade imensa para manter a qualidade na formação de 40 milhões de crianças e adolescentes.
Todavia esse panorama do número de estabelecimentos e matrículas se inverte quando analisamos a educação superior, pois, nas últimas décadas, houve um crescimento exponencial das Instituições de Educação Superior (IES) privadas no Brasil. Principalmente a partir dos anos 2000, o Estado começou a investir cada vez mais na iniciativa privada, ou seja, criar políticas que transferem dinheiro público para o setor privado, por exemplo, a Lei n. 10.260/2001, que criou o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Decreto n. 5.622, de 19/12/2005, que regulamentou a educação a distância (EaD), e a Lei n. 11.096/2005, que instituiu o Programa Universidade Para Todos – ProUni (AMARAL, 2012). Tanto o FIES quanto o PROUNI são formas de transferir o dinheiro público para o setor privado, o que tem possibilitado o crescimento das IES privadas nos últimos anos. No gráfico a seguir, é possível observar os dados da educação superior no Brasil.
322 Percentual de instituições de educação superior por categoria administrativa, Brasil – 2014 Fonte: Censo Educação Superior - INEP (2015 - on-line).
As IES privadas são a maioria no Brasil. Em termos de matrículas, de um total de 7,8 milhões de alunos, as IES privadas têm uma participação de 74,9% (5.867.011) no total de matrículas de cursos de graduação, e as IES públicas, portanto, participam com 25,1% (1.961.002). Também é fundamental apontar que as IES públicas são, em sua maioria, universidades, ou seja, devem ter, obrigatoriamente, ensino (trabalho em sala de aula), pesquisa (descoberta de novos conhecimento) e extensão (levar para a comunidade o que se cria na universidade) (INEP, 2015); as IES privadas, por sua vez, são, em sua maioria, faculdades e centros universitários, que têm apenas a obrigatoriedade do ensino (INEP, 2015).
É fundamental esclarecer, aluno(a), que é legítima a convivência da educação superior pública e privada, pois a legislação permite, de acordo com a formatação atual da nossa sociedade. Outro fator importante é que, no caso da educação superior, as instituições públicas não têm condições de oferecer vaga para todos, dessa forma, o setor privado tornou-se uma alternativa. No entanto é importante pensar: quem são os alunos que vão fazer graduação nas instituições privadas? São aqueles que cursaram a educação básica integralmente em escola privada? O que se tem observado, atualmente, é que aqueles que estudaram nas melhores escolas na educação básica privada conseguem as vagas nos cursos de graduação mais concorridos das IES públicas, por exemplo, as concorridas Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (UNICAMP), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UnB), dentre outras.
Em contrapartida, a maioria daqueles que fizeram a educação básica integralmente na escola pública não consegue aprovação em vestibulares concorridos das instituições públicas. É claro que há instituições de educação superior privadas de excelência e grande qualidade, como a Pontifícia Universidade Católica (PUC), a Universidade Presbiteriana Mackenzie e a Universidade Católica de Brasília (UCB); é necessário, porém, dinheiro para pagá-las, e a maioria dos brasileiros não tem essa condição. Boa parte dos alunos mais pobres que frequentam a educação superior privada foi beneficiada por programas como o PROUNI e o FIES, mas precisa trabalhar o dia todo e estudar a noite, diminuindo, assim, a qualidade do estudo que está realizando. Os alunos das classes mais pobres que cursaram educação básica em escolas públicas vão procurar os cursos menos concorridos nas IES públicas (principalmente os cursos de Licenciatura) e os cursos mais baratos nas IES privadas.
Para pensar: se for uma escolha estudar em uma instituição de educação pública ou privada, tudo bem; o problema ocorre quando não é uma escolha, quando é uma condição de acordo com o contexto socioeconômico que nos determina. As chances de um aluno de uma escola pública de periferia do Rio de Janeiro conseguir ser aprovado em um vestibular de Medicina na UFRJ é muito pequena (pode até acontecer, mas é tão raro que se transforma até em notícia de televisão). É necessário enfatizar que muitas pessoas estão conseguindo acesso à educação superior no setor privado nos últimos anos, em função de investimentos públicos dos últimos governos federais (Fernando Henrique Cardoso, Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff), todavia temos que nos preocupar com a qualidade desses cursos, que devem ser fiscalizados, assim como todos os outros.
Há muito alunos se formando em instituições de educação superior privadas de qualidade, ocupando postos profissionais e contribuindo com o desenvolvimento da sociedade. Contudo. assim como é difícil para o poder público manter a qualidade da educação pública, é também difícil para a iniciativa privada. Portanto, são necessárias políticas de fiscalização que cobrem qualidade e responsabilidade do setor privado, bem como são fundamentais políticas públicas que ampliem a estrutura e a qualidade da educação pública, para que cada vez mais cidadãos brasileiros tenham acesso a esse direito, pois ainda são uma minoria aqueles que conseguem fazer um curso de graduação nesse país. Como mostram os dados do INEP (2015), do total de 13,3 milhões de pessoas em idade de cursar a educação superior (18-24 anos), pouco mais da metade está matriculada em um IES (58,5%), os demais estão fora da educação superior (5,5 milhões de pessoas). Portanto, aluno(a), você faz parte de uma pequena camada da sociedade: você está nos 3,82% de brasileiros - de um Brasil de 204 milhões de habitantes - que estão, atualmente, matriculados em um curso de graduação em uma IES. Pense a respeito disso e boa sorte!
Atividades
considerando os dados do INEP (2014) apresentados, acerca da educação superior pública e privada, assinale a alternativa correta.
- A educação superior pública corresponde a 12,6% do número de alunos matriculados nos cursos de graduação.
A educação superior pública corresponde a 25,1% do número de alunos matriculados nos cursos de graduação. 12,6% corresponde ao número de estabelecimentos de educação superior públicos.
- A educação superior pública corresponde a 25,1% do número de alunos matriculados no ano de 2014, enquanto a educação superior privada corresponde a 74,9%.
Os dados apresentados estão corretos, de acordo com o Censo de Educação Superior de 2014.
- A educação superior privada corresponde a 87,4% do número de alunos matriculados nos cursos de graduação.
A educação superior privada corresponde a 74,9% do número de alunos matriculados nos cursos de graduação. 87,4% corresponde ao número de estabelecimentos de educação superior privados.
- De acordo com dados do INEP (2014), a educação superior pública corresponde à maioria do número de estabelecimentos e de alunos matriculados em cursos de graduação no Brasil.
De acordo com dados do INEP (2014), a educação superior privada corresponde à maioria do número de estabelecimentos e de alunos matriculados em cursos de graduação no Brasil.
- De acordo com os dados do INEP (2014), a educação superior pública está aumentando o número de estabelecimentos e de alunos matriculados nos últimos dez anos.
Os dados do INEP apresentados correspondem apenas ao ano de 2014, não sendo permitido inferir acerca da progressão numérica da educação superior pública.
Indicação de leitura
Nome do livro: O princípio educativo em Gramsci: americanismo e conformismo
Editora: Alínea
Autor: Mario Alighiero Manacorda
ISBN: 978-85-7516-214-9
Nesse livro, Mario Manacorda faz reflexões e comenta a respeito da obra de um dos principais pensadores da educação, Antonio Gramsci. É uma oportunidade para compreender melhor como a educação está relacionada ao trabalho e pensar formas de construir uma nova proposta educativa para uma sociedade mais humana.
Indicação de leitura
Nome do livro: Sociologia da educação
Editora: Cortez
Autor: Sonia Maria Portella Kruppa
ISBN: 978-85-2492-431-6
Nesse livro, Sonia Kruppa faz reflexões acerca do papel da educação na sociologia e do papel da sociologia na educação, esclarecendo as relações entre o saber e o poder na sociedade contemporânea.
Indicação de filme
Nome do filme: Giordano Bruno
Gênero: Drama Biográfico
Ano: 1973
Elenco: Gian Maria Volonté, Charlotte Rampling e Hans Christian Blech.
O filme retrata o processo movido pela Inquisição Romana, no século XVI, contra o filósofo, astrônomo e matemático italiano Giordano Bruno, um dos precursores da ciência moderna. Um filme que evidencia as disputas de poder entre a fé e a ciência.
Indicação de filme
Nome do filme: O sorriso de Monalisa
Gênero: Drama
Ano: 2003
Elenco: Julia Roberts, Kirsten Dunst, Julia Stiles, Maggie Gyllenhaal, Ginnifer Goodwin, Dominic West.
O filme aborda a história de uma professora de História da Arte que subverte valores conservadores e tradicionais de um Colégio só para mulheres, destinado a formar “boas esposas”.
Indicação de filme
Nome do filme: Sociedade dos Poetas Mortos
Gênero: Drama
Ano: 1990
Elenco: Robin Williams, Ethan Hawke, Robert Sean Leonard e Josh Charles.
O filme retrata a história de um professor de inglês, em um colégio tradicional de meninos, que utiliza métodos não ortodoxos para atingir os objetivos de ensino-aprendizagem. O professor enfrenta a resistência da escola e dos pais para poder realizar seus métodos e ajudar os alunos a terem outras compreensões acerca da realidade.